15/09/2014, por Atheniense Advogados

Entrevista com Aristoteles Atheniense – Jornal da Manhã/Uberaba

“País que tem muita lei, sinal que tem pouco direito.” A conclusão é do advogado Aristoteles Atheniense, após um levantamento segundo o qual existem 184 mil leis no Brasil. O excesso de normas legais e também de tributos é um dos seus temas preferidos, diz, citando Roberto Campos [economista e diplomata], que dizia que o brasileiro não é cidadão, é contribuinte, tão grande é o número de impostos.

De acordo com Aristoteles, o Brasil tem 92 tributos, o que o faz observar que não “há país no mundo com carga tributária tão grande quanto a nossa”. Não à toa, diz, os três principais candidatos à Presidência da República [Dilma Rousseff (PT), à reeleição; Aécio Neves (PSDB), e Marina Silva (PSB)] referem-se com ênfase à reforma tributária.

“Sabemos que tributos em excesso constituem um desestímulo à produção. Então, não vejo como compatibilizar um país que anseia produzir mais e gerar mais empregos com tantos impostos. Vejo nisso uma incoerência muito grande”, coloca Aristóteles, que na última quinta-feira (11) veio a Uberaba participar da abertura do 8º Congresso de Direito Processual.

Ainda segundo ele, a presidente Dilma e seu “pseudoministro” Guido Mantega anunciam os números da arrecadação como se fosse uma disputa olímpica, enquanto o importante é fazer com que essa arrecadação tenha sentido produtivo, sobretudo na geração de emprego e renda e na oferta de serviços públicos de qualidade.

Cidadão uberabense, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Minas Gerais por dois períodos (1979 a 1983); vice-presidente da OAB Nacional (2004 a 2007); membro da Federação Interamericana dos Advogados, do American Bar Association, da Federação Internacional dos Advogados, do Instituto Luso-Brasileiro de Direito Comparado, do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, da Academia Mineira de Letras Jurídicas, entre outras entidades, Aristóteles também foi eleito melhor advogado do ano de 2010 pelo Instituto dos Advogados de Minas Gerais (Iamg).

Em entrevista exclusiva ao Jornal da Manhã, ele fez uma análise das candidaturas postas, falou sobre reeleição, corrupção e ética. Confira a seguir os principais trechos da entrevista!

Jornal da Manhã – O projeto de lei que cria o paralegal foi criticado na abertura do 8º Congresso de Direito Processual de Uberaba… Qual opinião do senhor sobre este assunto?

Aristoteles Atheniense – Eu fui vice-presidente da OAB Nacional e assumi a presidência em várias oportunidades, e numa dessas ocasiões fomos conversar com o ministro Tarso Genro, da Educação. Nós reivindicávamos, naquela época, que a criação de faculdades de Direito deveria passar não pelo crivo da Ordem, mas mediante um parecer da Ordem, um elemento a ser levado a sério na aferição da capacidade das faculdades de Direito. A princípio o ministro prometeu que ia fazer assim. Ficamos satisfeitos e passamos a divulgar que a partir de então aquela avaliação que a Ordem fizesse seria de importância na criação das faculdades de Direito. Passado um ano, havia uma solenidade na Ordem, dia 11 de agosto, Dia do Advogado, e o ministro da Educação estava lá conosco, quando ratificou aquele propósito. Eu falei assim: “Interessante, ministro, porque hoje saiu no Diário Oficial a criação da Faculdade de Direito de Serra Pelada”. Aquilo foi uma água na fervura. Essa questão do paralegal é interessante porque essa oportunidade que estão querendo criar entre o advogado e o estagiário, entre aquele que não é aprovado, deveria efetivamente servir, como disse o Anchieta [José Anchieta da Silva, professor] com muita propriedade, para desempenhar certas funções em um escritório, como fazer pesquisa sobre jurisprudência. Agora, identificar esse corpo estranho como advogado, obviamente dá a impressão de que são advogados… Quase pedi um aparte ao Anchieta, para lembrar o Busato [Roberto Antônio Busato – presidiu a OAB], nosso presidente. Ele falava que criar faculdades de Direito sem condições chamava-se estelionato jurídico. É o crime de estelionato: artigo 171 do Código Penal, que dá pena de um a quatro anos. Isso marcou nossa administração.

JM – O país está em pleno processo eleitoral, sendo esta a primeira eleição geral sob a vigência da Lei da Ficha Limpa. Mais de 240 candidaturas foram barradas pelos tribunais eleitorais. A lei brecou nomes conhecidos do cenário local, como o ex-prefeito Anderson Adauto [Anderson disputa sub judice o cargo de deputado federal], e nacional, como Paulo Maluf e o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, este último, no entanto, lidera as pesquisas de intenção de voto para voltar ao antigo posto. Qual análise do senhor sobre esse cenário?

AA – Estou chegando à conclusão de que a chamada classe C, ou aqueles desassalariados, os menos favorecidos, não estão dando importância a esses aspectos, a essas falcatruas e amoralidades. Desde que tenha um Bolsa Família, um recurso para se manter… Esse aspecto ético da conduta no Brasil está cada dia mais desaparecendo. Eu, como profissional liberal e professor de Direito que fui durante 20 anos, em todo lugar que vou procuro transmitir às novas gerações justamente uma mensagem de estímulo e de compromisso com o que ocorre no país. Não basta se queixar. É preciso contribuir. Eu contribuo escrevendo meus artigos no Jornal da Manhã, no Diário do Comércio, no Hoje em Dia. E vou continuar mandando a minha contribuição pra que ela fique na capital e nas cidades pujantes como Uberaba. Na medida em que me retraio ou me coloco na posição de expectativa, estou contribuindo para que as coisas se tornem piores do que são.

JM – Considerando o que o senhor diz, não devemos ter tantas surpresas assim nas urnas…

AA – Sinceramente? Eu não sei. Hoje eu vi uma nota que nós temos 35% de indecisos. Isso é muito importante. Quando era garoto, eu vi o brigadeiro Eduardo Campos perder uma eleição para Getúlio Vargas, nos 15 dias finais, porque cometeu a leviandade de dizer que não era daqueles que comiam na marmita. Ele se referia à marmita do governo, mas os adversários exploraram que ele era contra os empregados, os marmiteiros e, assim, ele perdeu a eleição. Acho que pode haver – e queira Deus que haja! – uma reversão.

JM – O senhor acredita que nós estamos efetivamente tendo uma terceira via nessas eleições, para contrapor à polarização entre PT e PSDB?

AA – A meu ver, a presidente Dilma Rousseff foi criada para suceder ao presidente Lula e nunca vi tantas afirmativas contraditórias como vejo no governo dela. E evidentemente que quem quer ser reeleito, às vezes, se vê obrigado a fazer uma abstração da coerência. A palavra coerência não existe para político. Não está no dicionário do político. Então, acho que esse governo é marcado pela incoerência e o que mais me estranha são essas últimas afirmativas de que estão lutando contra a corrupção, que sempre combateram a desonestidade… Pelo contrário. Pelo que a gente sabe, realmente, é que têm apadrinhados. O próprio processo do mensalão. O Lula fez tudo, usou de todos os recursos possíveis, até forçando o ex-presidente do Tribunal, ministro Nelson Jobim, para que não tivesse o desfecho que teve. Com relação à Marina, vejo nela qualidades de uma pessoa que saiu de baixo e chegou ao ponto em que chegou. Agora, a meu ver, não acredito que desatrelou completamente do PT e de Lula. Acho que no íntimo ainda há uma ligação e talvez isso me leve a receber com certa reserva muitas coisas que ela fala. Por exemplo: essa questão da emancipação do Banco Central. Isso é um absurdo, não tem cabimento. Nos Estados Unidos, o Banco Central é independente do presidente da República, mas não do Congresso. Para o povo isso é muito bonito, falar que se o Banco Central for independente, a inflação vai cair, mas eu não acredito. Agora, acho que quem no momento tem só 29 deputados, não terá base parlamentar para sustentar nenhum processo, sobretudo levando-se em consideração a experiência que tivemos com o presidente Collor [Fernando Collor, que sofreu impeachment em 1992, dois anos após a posse na Presidência] e com Jânio. Jânio Quadros não tinha maioria, era do Partido Democrata Cristão. Depois a UDN, que queria chegar ao poder de qualquer forma, ajoelhou-se aos seus pés e admitiu que fosse candidato. Ficou nove meses no governo. O Collor ficou dois anos. Eu participei. Estava lá na frente levando o processo que fizemos juntos na OAB. Agora, o terceiro, o mineiro Aécio, com quem sempre tive convivência bem satisfatória, está procurando cercar-se de ótimas pessoas. É o caso do Armínio Fraga, para ministro da Fazenda, e tendo ao lado a experiência do Fernando Henrique, que é uma contribuição valiosa. Mas, infelizmente, no quadro atual não está me parecendo alvissareira a possibilidade de vitória dele, não. Acho o Aécio, em termos de composição, como articulador, talvez até superior do que o avô, Tancredo [Neves]. Seu outro avô, Tristão da Cunha, também foi um homem extraordinário, um homem de grande influência política lá em Teófilo Otoni. Esse é o quadro que estou vendo: bastante preocupante.

JM – Esse escândalo envolvendo um esquema de corrupção na Petrobras trouxe à tona a delação premiada. À luz do Direito, qual o peso da delação premiada em casos como esse, onde um alto executivo revelou à Polícia Federal que três governadores, seis senadores, um ministro e pelo menos 25 deputados federais foram beneficiados com pagamentos de propinas oriundas de contratos com fornecedores da estatal?

AA – A delação premiada é muito importante, no inquérito policial, quando se está discutindo a materialidade do fato e autoria do delito. Mas a delação premiada pode ocorrer em qualquer fase, inclusive quando já existe ação penal. Antigamente, delação premiada era contra quadrilha, assaltante de banco, depois em 1999 veio outra lei e ela abrange qualquer fato. Então, ela não condena nem absolve, é um elemento de prova, que pode vir até contra o próprio delator.

JM – Esse escândalo pode alterar o quadro eleitoral?

AA – É como falei: a mudança quem pode operar é a classe média, as classes A e B. a Classe C não está muito aí. Lamentavelmente, desgraçadamente, ela não está ainda muito preocupada com esse problema ético.

JM – Sempre que surgem esses escândalos de corrupção, fica mais forte a voz daqueles que defendem a volta dos militares ao poder, da ditadura, em contraponto à democracia…

AA – Vou lhe falar uma coisa: em Belo Horizonte, se quiser ser aplaudido, vá para a praça da rodoviária e diga que é a favor da pena de morte e da ditadura, você será aplaudido, carregado. Sabe por quê? Porque não viveram os problemas da ditadura militar. Essa nova geração não sabe o que é isso, mas, no entanto, fica empolgada, porque à medida do descrédito nos políticos vem o fortalecimento dos usurpadores. E, olha, eu não acredito que as punições aplicadas no processo do mensalão vão subsistir.

JM – Por quê?

AA – Existe no Código de Processo Penal a figura da revisão criminal, desde que haja um fato novo. Isso pode acontecer daqui a dez, 15, 20 anos, não tem prazo para a revisão criminal. Amanhã, inventa que houve má interpretação, ainda mais agora que o Joaquim [Barbosa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, onde foram julgados os réus do mensalão] não está mais lá. Então, não será novidade se muitos dos condenados forem para a rua.

JM – O senhor é a favor da pena de morte?

AA – Só admito a pena de morte mediante três ressalvas: primeiro, não haver dúvida quanto à autoria; segundo, que não se trate de alienado mental, ou seja, que o sujeito a ser executado esteja no pleno gozo da razão; e a terceira hipótese, que a pena não tenha conotação política ou religiosa.

JM – O senhor é favorável ao fim da reeleição?

AA – Não sou contra a reeleição, agora, o que não admito é o sujeito que é eleito hoje, no dia seguinte já estar trabalhando para ser reeleito. Acho isso um absurdo! Sou a favor da reeleição por mérito. Mas, sinceramente, a nossa Justiça Eleitoral precisa de uma reformulação total. Não vou nem falar em método de eleição. É porque não existe um código eleitoral.

JM – São remendos…

AA – Cada ano é uma coisa e ao sabor dos interesses.

JM – E eleição a cada dois anos, o que o senhor acha?

AA – Houve uma época em que as eleições eram gerais e a gente tinha que votar em um partido só. Já achava isso errado. Mas não sou contra a reeleição e nem contra a pena de morte.

Fonte: Jornal da Manhã/Uberaba