27/05/2020, por Maria Cristina Conde Pellegrino

As alterações propostas pelo PL 1179/20 quanto às relações jurídicas privadas durante a pandemia

No último dia 15 de maio, a Câmara dos Deputados enviou ao Senado o substitutivo ao Projeto de Lei 1179/2020, que instituiu normas de caráter transitório e emergencial para regulação de relações jurídicas de direito privado, em virtude da pandemia da Covid-19, e altera a lei 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

Ainda que aprovado pelas Casas Legislativas com atraso injustificado, a aprovação da lei é esperada para os próximos dias, mediante sanção presidencial que, se acolhida sem vetos, passará a vigorar a partir da data de sua publicação, tendo aplicação aos fatos ocorridos quando da publicação do Decreto Legislativo que reconheceu o estado de calamidade pública no Brasil (20/03/2020).

A proposição dessa lei está justificada nos dramáticos reflexos econômicos e sociais que a pandemia do coronavírus trouxe a toda população brasileira. Ressalte-se que o movimento legislativo iguala-se a outros países que também se movimentaram para solucionar os impasses trazidos à ordem econômica e social, de modo a preservar as relações jurídicas e proteger os vulneráveis.

Considerando o caráter emergencial e atípico da situação, o projeto legislativo brasileiro buscou a equiparação dos sujeitos de direito de uma relação jurídica, sem alterar a legislação específica, criando apenas regras transitórias no âmbito das relações privadas. Ou seja, o PL 1179/2020 não tratou de questões tributárias ou de natureza falimentar, que foram deixadas para discussões legislativas próprias.

Dentre as relações jurídicas privadas tratadas pelo Projeto de Lei, verifica-se a suspensão de prazos prescricionais e decadenciais no período da pandemia, restrição à realização de reuniões presenciais para associações, sociedades, fundações e organizações religiosas, admitindo-se somente por meio remoto ou virtual.

O Projeto de Lei, se sancionado pelo Presidente da República, dispõe ainda que os efeitos da pandemia equivalem a caso fortuito ou de força maior, mas não se aproveitam para as obrigações vencidas antes do reconhecimento da pandemia. Isto é, se um dos contratantes já estiver inadimplente com alguma obrigação antes de 20 de março de 2020, não poderá alegar caso fortuito ou força maior, em seu favor, para eximir-se das consequências de seu inadimplemento.

No que pertine aos contratos de locação, o PL 1179/2020 mantém a possibilidade de retomada do imóvel para uso próprio, impedindo, contudo, a concessão de liminares para despejo de imóveis prediais até 31 de dezembro de 2020, em razão de inadimplemento, desde que o ajuizamento da ação própria tenha ocorrido após 20 de março de 2020. Contudo, os inquilinos não ficarão liberados da obrigação de pagamento de aluguel, que poderá ser prorrogado no tempo, mediante a recomposição do saldo devido e acréscimo em até 20% sobre as parcelas vencidas, desde que comunicada ao locador a precariedade da situação econômica, resultante dos impactos da Covid-19.

Talvez essa seja uma das regras mais necessárias e esperadas pelos cidadãos brasileiros, que, além de contarem com enorme déficit habitacional, submetendo-se involuntariamente e por vez, compulsoriamente, às regras do contrato de locação, têm sido os maiores prejudicados pela imposição de medidas sanitárias e de isolamento social.

O Projeto de Lei flexibiliza, ainda, as regras de contratos agrários e impede a contagem do tempo para prescrição aquisitiva (usucapião) durante a pandemia.

Ainda, no trato das relações privadas, propõe restrições temporárias de acesso e de obras em condomínios edilícios, ao mesmo tempo em que admite a realização de assembleias virtuais, tanto na relação condominial como nas reuniões em sociedades comerciais.

O caráter atípico da pandemia e os reflexos nas linhas de produção empresarial motivaram, ainda, a proposição da suspensão de práticas anticoncorrenciais, a fim de atender às necessidades da escassez de serviços e produtos.

No âmbito da relação familiar, o PL 1179/2020 trouxe o abrandamento das penalidades impostas ao devedor de alimentos, que, emergencialmente e provisoriamente, poderá ter decretada a prisão civil domiciliar durante o tempo em que vigorar os efeitos da pandemia.

Por fim, propôs a prorrogação da entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados por mais dezoito meses, sob a justificativa de que a vigência a partir de agosto de 2020, tal como disposto na lei 13.709 de 2018, acabaria por onerar as empresas, em face das enormes dificuldades técnicas e econômicas advindas da pandemia.

Esse tópico merece uma observação: não obstante a tecnicidade da lei, que dispõe sobre tratamento de dados pessoais de cidadãos brasileiros, a sua vigência imediata seria fator de maior proteção às garantias constitucionais do indivíduo.

Desde há muito, os dados pessoais de cidadãos têm sido tratados pelo Estado e por pessoas jurídicas de direito privado sem qualquer critério, concorrendo, ainda que involuntariamente, para as fraudes, hackers e outras consequências do mal uso de dados coletados.

Muitos não sabem, mas os critérios definidos pela Lei Geral de Proteção de Dados, ainda à espera de aplicação, contribuíram para suspensão da Medida Provisória 954/2020, que determinou às empresas de telefonia móvel do Brasil a transferência de dados pessoais (nome, telefone, endereço) de cidadãos brasileiros para o IBGE, a fim de que aquele órgão federal buscasse o monitoramento (ainda que por pesquisa) das atividades dos indivíduos.

Atualmente, tanto o Código Civil quanto o Código de Defesa do Consumidor, possuem regras adequadas para resolver ou revisar contratos por imprevisão ou por onerosidade excessiva. O Projeto de Lei 1179/2020 buscou, sobretudo, estabelecer normas claras para conter excessos em nome da ocorrência de caso fortuito e de força maior, permitindo, ao mesmo tempo, que segmentos mais vulneráveis, como os locatários urbanos, não sofram restrições ao direito à moradia.

Agora, só nos resta aguardar a sanção presidencial da lei, de forma que sua vigência imediata possa clarear direitos e direcionar a solução de conflitos que decorrerão das relações jurídicas em vigor.