Propostas da ANAC contrariam os direitos dos passageiros
Por Luciana Atheniense
Publicado no caderno Turismo do Jornal Estado de Minas em 10/05/2016
Há duas semanas, manifestei, nesta coluna, minha indignação com a proposta da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) em relação à extinção da franquia de bagagem, tanto em viagem nacional como internacional.
A mesma agência reguladora também propõe suspender a assistência material (comunicação, alimentação e hospedagem) em situações denominadas de força maior, imprevisível ou caso fortuito, ou seja, caso “o evento se prolongue por um período superior a 24 horas, salvo se o passageiro se encontrar em aeroporto de escala ou conexão”.
Nas situações citadas, as empresas aéreas apenas teriam a obrigação de oferecer “ao passageiro alternativamente: I – Remarcação do voo, para data e hora de sua conveniência; ou II – Devolução dos valores pagos” (art. 40).
A exclusão de responsabilidade da assistência material deve ser analisada com cautela. A ANAC não pode comparar situações de “força maior” de outros países aos supostos problemas climáticos, que nem sempre correspondem à nossa realidade.
De forma superficial e, sobretudo, contrária à realidade dos fenômenos naturais previsíveis no Brasil, a ANAC exemplifica em seu relatório como possível a suspensão de assistência material em casos de “terremoto, maremoto ou chuva de asteroides que venha a danificar a pista de pouso”, “destruição de terminal, vulcão em erupção, entre outros similares”.
É notório que estes fenômenos naturais, mencionados pela agencia reguladora, nunca atingiram ou sequer ameaçaram o funcionamento de nossos aeroportos nacionais.
De fato, os motivos que acarretam o cancelamento ou atraso de voos por motivo de “força maior” é justificado por situações climáticas corriqueiras tais como chuva e neblina.
Nestes casos, especialistas do setor aeronáutico esclarecem que muitos aeroportos brasileiros, sobretudo os denominados “internacionais”, não conseguem realizar aterrissagem ou decolagem em situações climáticas adversas. Isto ocorre devido à ausência do equipamento ILS (Instrument Landing Sistem), também denominado “sistema de pouso por instrumentos”, que é instalado nos aeroportos com o intuito de guiar as aeronaves até o solo e não por problemas climáticos, “força maior”, alegados tanto pela ANAC como pelas empresas aéreas.
O ILS possui três categorias: I: o piloto é guiado por instrumentos até 60 metros de altura; II: aparelhagens mais sofisticadas permitem aproximação até 33 metros; III: o mais moderno com aproximação até o nível zero.
O modelo de ILS instalado no aeroporto Internacional Tancredo Neves (Confins), por exemplo, é de categoria I e guia as aeronaves com precisão, mas até uma altura aproximada de 60 metros, o que não é suficientemente baixo para se operar em condições de nevoeiro.
Porém, Confins, como outros aeroportos nacionais também denominados como internacionais, merecem ter um ILS mais sofisticado, pelo menos de categoria II (ILS2), capaz de guiar aeronaves a altitudes mais baixas, com pouso automático, que fornece mais segurança e precisão nas operações com nevoeiro. Assim, provavelmente diminuiria a quantidade de cancelamentos ou atrasos de voos por problemas climáticos. Esses dispositivos mais complexos já se encontram instalados nos aeroportos de Curitiba, Guarulhos e Galeão.
Vale ressaltar que o estudo da ANAC exemplifica que nos aeroportos Franco Motoro (Guarulhos) e Afonso Pena (Curitiba) é possível prevê as semanas do ano em que se darão condições adversas. Mas omite que os citados aeroportos possuam o dispositivo ILS mais complexo, superior ao dos demais aeroportos tidos como “internacionais”.
Apesar da chuva e do nevoeiro não serem constantes em todos os aeroportos nacionais, isto não isenta a responsabilidade do “internacional” de fornecer um equipamento melhor para situações de baixa visibilidade, o que já se tornou usual em vários aeroportos internacionais no exterior e somente em três brasileiros.
Diante dessa situação, as companhias aéreas justificam que praticamente todos os aviões operados pelas grandes empresas (Boeing, Airbus e Embraer) possuem capacidade de pousar com nevoeiro muito pior do que o ocorrido em Confins, em janeiro deste ano. Mas a pista deveria ter um equipamento mais complexo (ILS2 ou ILS3) para guiar as aeronaves até o solo.
Vale ressaltar que as tragédias naturais divulgadas pela ANAC em seu relatório, felizmente nunca atingiram o nosso país, por isso, não se pode excluir a “assistência material” ao período superior a 24 horas, justificando “força maior” e tampouco omitir a necessidade do equipamento necessário (ILS), na categoria adequada, para realizar voos com a devida segurança em nossos aeroportos, sobretudo aqueles qualificados como “internacionais”.
Portanto, “chuva e nevoeiro”, fenômenos naturais previsíveis do clima brasileiro, não excluem a responsabilidade das empresas em fornecer aos passageiros toda a assistência necessária, de forma cordial e profissional, conforme assegurado pela própria companhia em sua publicidade e amparado na legislação vigente (Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90).