Afronta à memória nacional
O presidente José Sarney determinou a retirada do painel existente no Senado, que continha fotos panorâmicas de manifestantes nas ruas pedindo a saída do ex-presidente Collor.
Ao adotar essa providência, o senador maranhense ofereceu a justificativa de que a queda de seu correligionário “foi apenas um acidente que não deveria ter acontecido na história do Brasil. Mas não é tão marcante como foram os fatos que aqui estão contados, que foram os que construíram a história, não os de que de certo modo não deveriam ter acontecido”.
Como era de se esperar, a “explicação” dada por Sarney repercutiu negativamente, surpreendendo a todos com a sua discordância do afastamento de Collor, somente agora passados dezenove anos de seu declínio.
Ao contrário do que afirmou no ato de reinauguração da galeria, a saída de Collor não resultou de um “acidente”, mas sim de um processo que tramitou no Congresso, obedecendo aos trâmites legais. A sessão em que foi votado o seu afastamento foi transmitida ao vivo pela televisão, teve repercussão mundial e o resultado foi por um número de votos muito superior ao mínimo necessário.
Os presidentes da ABI, Barbosa Lima Sobrinho, e da OAB federal, Marcelo Lavenere Machado, foram os autores da ação que foi levada ao Congresso por uma multidão envergonhada com o comportamento de Collor, que ascendeu ao poder como o “caçador de marajás”.
Como assistente do procurador-geral da República, Aristides Junqueira, atuou o advogado criminalista e ex-ministro do STF, Evandro Lins e Silva. Dentro dessa atmosfera foi que Fernando Collor veio a ser apeado do poder, em 29 de dezembro de 1993, após quase três anos de mandato.
O Senado Federal, que Sarney presidiu em diversas legislaturas, condenou Collor por crime de responsabilidade e o impediu de exercer as funções políticas por oito anos. A absolvição que obteve foi somente no STF, ficando limitada ao crime de corrupção passiva.
Se Sarney, por um suposto lapso de memória esqueceu-se desses fatos, ou preferiu agora reputá-los inexpressivos, o mesmo não ocorreu de parte dos brasileiros, que ainda guardam a imagem de Collor na Casa da Dinda, praticando esportes, acompanhado do falecido PC Farias, Renan Calheiros, Zélia Cardoso de Melo e de outros sectários que o aplaudiam ao longo de sua trepidante carreira política.
No momento, Collor está no Senado, solidário tanto com Sarney como com a presidente Dilma Rousseff. E, por motivos óbvios, certamente deseja que o seu passado não seja revivido, mormente nas paredes do mesmo Senado onde perdeu o mandato.
O senador Sarney, recobrando a memória, resolveu, então, recuar, determinando que o episódio do impedimento retornasse à galeria do “túnel do tempo”, desta vez oferecendo uma versão não menos pitoresca: “Eu não fui curador nem autor dessa exposição, mas para evitar interpretações equivocadas, acabo de determinar à sessão competente do Senado e sua administração que faça constar da devida exposição o impeachment do presidente Collor”.
Assim, o que até recentemente era um acidente, voltou a ser um fato importante da vida brasileira, por mais lamentável que fosse a conduta de seu protagonista, que, de volta ao Congresso, ainda conserva admiradores leais, como é o caso do presidente do Senado.
ARISTOTELES Dutra de Araújo ATHENIENSE
Advogado. Conselheiro Nato da OAB.
aristoteles@atheniense.com.br | @aatheniense | www.direitoepoder.com.br