Um discurso duvidoso
Consolidada a vitória de Jair Bolsonaro no segundo turno, tornou-se necessária a exibição de um troféu que eliminasse eventuais dúvidas quanto à legitimidade daquele resultado.
A escolha do emblema recaiu na indicação de Sérgio Moro para o Ministério da Justiça. O indicado tornou-se renomado pela atuação cumprida como Juiz Federal na “República de Curitiba”, atingindo o seu ápice com o decreto de prisão de Lula em sentença confirmada pelo TRF da 4ª região.
Bolsonaro acenou a Moro com sua futura escolha no Supremo Tribunal Federal assim que surgisse a primeira vaga naquela Corte.
A nomeação ao STF sempre teve como estágio probatório o Ministério da Justiça. Vale ressaltar o que sucedeu aos mineiros Oscar Corrêa e Maurício Corrêa, que, antes de ocuparem uma das onze cadeiras da Corte Suprema, foram titulares da Pasta da Justiça.
Milton Campos recusou-se a cumprir esse ritual, optando em permanecer como ministro de Castelo Branco, de quem veio a divergir mais tarde quanto aos métodos implantados pela Revolução de 64.
Assim, ao aceitar o convite para integrar o novo ministério, renunciando a 22 anos de magistratura, Moro, confiando na palavra de Bolsonaro, passou a ter como certa a sua investidura no STF. Tratava-se de um cargo político, cujo beneficiário jamais poderia imaginar a quantidade de sapos que teria de engolir, ficando sujeito, ainda, às intempéries criadas por Olavo de Carvalho.
Segundo Bolsonaro, caso Moro se disponha a integrar aquela Casa, “será um grande aliado. Não do governo, mas dos interesses do nosso Brasil dentro do STF”.
Na semana passada, a Comissão Especial do Congresso, que analisa a medida provisória da Reforma Administrativa, retirou o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) da alçada do Ministério da Justiça. Atendendo à imposição de deputados e senadores, a atuação do órgão ficará subordinada ao Ministério da Economia, em desacordo com a pretensão de Moro.
Desde a sua posse, o novo ministro enfrentou sucessivas turbulências, mormente quanto ao seu relacionamento com o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia. O seu pacote anticrime não lhe rendeu a projeção aguardada. Não menos preocupante foi o esforço que despendeu para que Bolsonaro não assinasse o decreto sobre porte de arma, que favoreceu várias categorias.
A prevalecer o conteúdo daquele diploma, qualquer cidadão poderá sair na rua munido de pistola, carabina, espingarda semiautomática. Na concepção de Bolsonaro, trata-se de “um projeto de segurança pública” que destoa do art. 6º do Estatuto do Desarmamento, que proíbe o uso de arma de fogo em todo o território nacional.
Conforme advertiu o professor João Paulo Martinelli, da Universidade de São Paulo, “um decreto só pode regulamentar uma lei federal, mas não pode mudá-la. Quando um decreto amplia a possibilidade da utilização de porte, invade a esfera do Poder Legislativo”.
A falta de empenho de Bolsonaro em manter o COAF sob o comando de um dos mais renomados auxiliares de seu governo, poderá concorrer para que Moro continue a dar murro em ponta de faca. No entendimento de alguns especialistas, não tardará a hora em que Moro deixará o governo que está boicotando a sua atuação.
A liberação do porte de armas, acrescida do corte de verba das universidades e bolsas de pesquisa, concorre para as incertezas que comprometem uma administração que ainda não completou um semestre.
Como advertiu o cientista político Bolívar Lamounier, “a última coisa que um governo pressionado por uma agenda econômica urgente e inexorável deve fazer é se imiscuir em questões culturais ou em pautas valorativas e comportamentais”.
A decantada “carta branca” que Bolsonaro concedeu a Moro não se concretizou, tendo prevalecido o veto imposto à especialista em Segurança Pública, Ilona Szabó. Caso seja confirmada a indicação de Moro para o STF, haverá a repetição dos mesmos episódios relativos às nomeações de Prado Kelly, Alfredo Buzaid, Paulo Brossard e Nelson Jobim.
Em face dos acontecimentos que solaparam a autoridade de Sérgio Moro, contando com a omissão presidencial, não se pode afiançar a sua permanência no Ministério da Justiça, devido ao tratamento que vem recebendo de Bolsonaro.
Por tudo isso, a sua ida para o STF talvez não passe de um sonho acalentado em noite de verão.