A despedida do pastor
A morte do cardeal Dom Eugênio Sales levou-me aos anos 50, quando o conheci em Natal, na condição de representante da Faculdade de Direito da UFMG, na Semana de Estudos Jurídicos realizada na capital potiguar.
Durante o evento, fui informado do excepcional trabalho que ele realizava através do rádio para alfabetizar a população carente, criando o Movimento de Educação de Base (MEB), que, mais tarde, veio a ser reprimido pelo golpe militar de 1964.
Com a sua ida para o Rio de Janeiro, em 1971, onde criou as pastorais do Trabalhador e das Favelas, a sua figura adquiriu grande prestígio, ainda que não se ajustasse ao movimento progressista que tinha em Dom Hélder Câmara e Dom Paulo Evaristo Arns os seus corifeus.
Enquanto estes se integraram ostensivamente nas campanhas contra o governo militar, Dom Eugênio fez valer a sua autoridade junto aos detentores do poder, embora não comungasse dos princípios sustentados pela Teoria da Libertação, que buscava identificar os preceitos do Catolicismo ao Marxismo, promovendo visível dissensão nos quadros da igreja.
Dom Eugênio foi censurado por intelectuais da esquerda pela sua presumível adesão à ditadura, em razão de sua postura conservadora que jamais se distanciou da caridade cristã, materializada nos esforços que encetou em prol dos pobres e como idealizador da Campanha da Fraternidade.
Um dos seus grandes amigos foi o jurista Sobral Pinto, que, como ele, foi também injustiçado por não associar-se à tendência progressista da igreja Católica.
Sobral Pinto tinha um respeito reverencial por Dom Eugênio Sales, inclusive no tratamento dispensado às autoridades militares, sem jamais acovardar-se nos momentos em que a sua palavra candente tornava-se necessária.
Dom Eugênio assumiu a defesa dos asilados políticos, beneficiando mais de quatro mil perseguidos pelos regimes militares latino-americanos (1976/1982). Criou uma rede de apoio ao Alto Comissariado das Nações Unidas, ao ponto de abrigar os expatriados inicialmente na sede episcopal (Palácio São Joaquim). Mais tarde, alugou apartamentos à custa da Igreja, onde os homiziados permaneciam até que lhes conseguisse asilo em países europeus.
De certa feita, sabendo que seus passos estavam sendo vigiados, telefonou diretamente ao general Sílvio Frota, dizendo-lhe: “Frota, se você receber comunicação de que comunistas estão abrigados no Palácio São Joaquim, de que estou protegendo comunistas, saiba que é verdade, eu sou o responsável. Ponto final, ponto final”.
Tomado desta mesma coragem, recusou-se a celebrar missa pelo aniversário do AI-5, que lhe fora encomendada pelo general Abdon Sena, quando arcebispo de Salvador, primaz do Brasil.
No velório, uma pomba branca pousou sobre o seu caixão, ali permanecendo durante toda a tarde, enquanto os fieis se despediam do pastor. Este fato chamou a atenção dos que compareceram a Catedral Metropolitana, havendo quem associasse o fato inusitado à presença do Espírito Santo.