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A catástrofe trabalhista na Espanha

Ao longo de séculos marcados pelos mais diferentes episódios, a Espanha jamais enfrentou uma crise tão dramática e séria como a que fervilha na capital e em todas as suas províncias. A taxa de desemprego atingiu a 4,4 milhões, quando, há quatro anos atrás, não chegava sequer a dois milhões. E, há vinte anos, este número estava próximo de zero.

Esse quadro dantesco tende a tornar-se cada dia mais grave depois que se instituiu o chamado esquema de “trabalho temporário”. As empresas espanholas, valendo-se deste artifício (que compreende 30% da força de trabalho do país), passaram a reduzir os salários, o que importou num descontentamento generalizado com repercussões imprevisíveis.

Esses pactos empregatícios não acarretam encargo algum ao empregador: no regime anterior, a dispensa de um empregado após um ano de casa acarretava ao patrão um desembolso equivalente a 25 dias de trabalho.

Não menos estranha foi a norma adotada no rodízio de admissão e demissão. Assim, a contratação ocorre forçosamente no primeiro dia do mês e nas segundas-feiras; já as demissões, têm lugar no último dia do mês e às sextas-feiras.

Atualmente, vigoram os mais estranhos tipos de contrato. Dessa forma, o ajuste tanto pode ocorrer para uma tarde somente ou por alguns meses, sem que haja de parte da empresa contratante a obrigação de converter um contrato temporário em permanente.

Este sistema anômalo vem produzindo efeitos nocivos com impacto em todas as camadas sociais. A propósito, vale assinalar que na Espanha 64% das pessoas entre 16 e 19 anos não encontram colocação. A revolta assumiu proporções gravosas nos meios universitários, com os estudantes dispondo-se a aceitar tarefas depreciativas, em relação ao curso que realizam, para que possam sobreviver.

Com efeito, não é raro um universitário de direito, enfermagem ou arquitetura, dispor-se a submeter-se à condição de varredor de ruas, durante oito horas por dia, inclusive nos fins de semana. Em razão dessa situação humilhante, criou-se uma nova expressão na Espanha, ou seja, a categoria dos “ni ni”, que é uma corruptela do “ni estudia”, ni trabaja” (“nem estuda, nem trabalha”).

A desilusão com o governo é cúmplice da necessidade que se alastra por cidades de tradição acadêmica, como Barcelona, Sevilha e Salamanca, concorrendo para a eclosão de conflitos, independentemente dos partidos a que os insatisfeitos estejam filiados. A desordem medra nos principais centros de atração turística de Madri, inobstante a repressão policial imposta pelo governo socialista de José Luís Zapatero.

A consequência deste estado de coisas é a ida para o exterior de espanhóis formados em cursos superiores, que não encontram alternativa diversa senão ganhar a vida em outros sítios, mesmo se submetendo à vergonha pelo rebaixamento a que foram compelidos.

 

ARISTOTELES Dutra de Araújo ATHENIENSE

Advogado. Conselheiro Nato da OAB

aristoteles@atheniense.com.br | @aatheniense | www.direitoepoder.com.br

 

 

 

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