A complacência desmedida
A seriedade que a opinião pública reclama da Câmara dos Deputados não fica limitada aos fatos obscenos ocorridos naquela Casa, ou aos pronunciamentos chulos de seus integrantes, revelando, na sua maioria, total despreparo para o exercício do mandato.
As viagens que os parlamentares empreendem ao exterior sempre foram alvo de críticas, seja pelo seu comportamento malsoante, seja pelo seu elevado custo, sem nenhum proveito capaz de justificá-las.
Em recente levantamento feito pelo “Estadão”, veio a lume o valor da diária paga na viagem feita, no início do mês, pela comitiva de nove deputados comandada por Rodrigo Maia, equivalente a quase o dobro do salário mínimo (US$550 ou r$1.793).
Vale, ainda, ressaltar que 30% das passagens aéreas pagas pela Câmara são em classe executiva, correspondendo a três vezes o preço de uma passagem em classe econômica.
Constitui exigência interna que, ao retornar do estrangeiro, o deputado informe detalhadamente os gastos feitos, acrescidos de um relatório especificando a finalidade da viagem, se participou de algum simpósio, se avistou-se com autoridades locais. É indispensável demonstrar o proveito que o País obteve com a saída de um seu representante em cumprimento de missão oficial.
Inobstante essa determinação, há prestações de contas pendentes desde 2005, sem que fosse oferecido um motivo razoável para esse atraso de 12 anos.
O abuso é cometido indistintamente por todos os partidos. O vice-líder do governo, deputado Beto Mansur (PRB-SP), retornou de uma feira de tecnologia em Las Vegas, embora não se recorde, sequer, do que teria obtido de proveitoso naquele evento.
O deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), que frequentemente recebe Temer em sua casa, entre 2005 e 2017 realizou dezessete viagens, sendo que oito delas somente em 2016. Indagado por uma jornalista a respeito de sua ida a Paris no 51º Salão da Aeronáutica e do Espaço, invocou a sua condição de vice-presidente do Parlamento Latino-Americano, respondendo: “Temos de acabar com essa mania de cachorro vira-lata. O Brasil quer ou não quer ser grande?”
O líder do DEM, deputado Pauderney Avelino, em menos de uma semana, esteve na Suécia, Espanha e França, permanecendo dois dias em Paris, onde cumpriu “despachos internos…”.
Assiste razão ao professor de Ética e Filosofia da Unicamp, Roberto Romano, ao considerar que: “Em se tratando de dinheiro público, um centavo é um tesouro. Não há o direito em não prestar contas de tudo o que você gastou. Do ponto de vista ético, é preciso prestar contas não apenas formais, (…) mas trazer os resultados parciais do que foi discutido para distribuir aos seus pares e à sociedade”.
As recentes idas de Michel Temer e Rodrigo Maia ao estrangeiro, levando consigo os seus apaniguados, concorrem para que subsista esta prática comprometedora, que não pode perdurar.