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A confusa linguagem do Judiciário

Por Aristoteles Atheniense

Como os Tribunais administram a justiça em nome do povo, é indispensável que a prestação jurisdicional seja compreendida por todos e não por um grupo reduzido, sob pena de ter a sua legitimidade limitada e, até mesmo, desacreditada por parte daqueles que não compreendem o que ficou estabelecido numa sentença ou num acórdão.

A arte de comunicar deve ser exercida tanto pelo julgador como por aqueles que noticiam as decisões. De outra forma, haverá uma incompreensão recíproca e permanente, que colocará o povo mais longe do Judiciário, com o risco, inclusive, de cada cidadão querer fazer a sua própria justiça.

Conforme ressaltou Luiz Olavo Batista, jurista de renome internacional, “os textos escritos em ordem indireta, cheios de frases intercaladas que dão margem a interpretações equivocadas, são um autêntico risco para os clientes”.

Napoleão, em seu tempo, já se preocupava com a linguagem jurídica, havendo recomendado aos autores do Código, que levou o seu nome, o cuidado de escrevê-lo em linguagem simples, de forma que cada francês pudesse conhecer melhor o seu direito e as suas obrigações.

Assim, o “juridiquês”, tal como latim na missa, acoberta um mistério que amplia o espaço entre a fé e o religioso, do mesmo modo que afasta o cidadão da lei. Quando isso acontece, há mais interesse pela demonstração de poder do que pelo conhecimento da verdade.

Não raramente, advogados, promotores e juízes usam palavras ininteligíveis que a imprensa não consegue assimilar. Alguns magistrados optam pela sacralidade de seus pronunciamentos, como se esta fosse indispensável para a divinização de suas tarefas.

Não se pode mudar a linguagem jurídica de um dia para o outro. Tal não significa que isso seja impossível, conforme demonstrou recentemente a Associação dos Magistrados Brasileiros, quando encetou a Campanha Nacional pela Simplificação da Linguagem Jurídica, deflagrada pelo seu ex-presidente Rodrigo Collaço.

Os próprios juízes concluíram ser necessário o uso de um vocabulário mais simples, visando aproximar a sociedade da Justiça. Muitas vezes, findo o julgamento, as partes indagam ao seu advogado se ganharam ou perderam a causa, porque não conseguiram alcançar o resultado, devido à linguagem emproada utilizada pelo juiz.

E os próprios advogados, que deveriam responder a essa indagação, também ficam inseguros quanto àquilo que foi decidido.

Evidentemente que uma linguagem rebuscada não leva a entendimento algum, senão à curiosidade tanto por parte de quem venceu – sem saber por que – mas, sobretudo, por quem perdeu, sem entender a razão da condenação.

No jornalismo, devido à dificuldade em captar o que ficou decidido, deparamos com outras impropriedades que, frequentemente, provocam incerteza ao público ouvinte, televisivo ou leitor.

Um acordão, encaixado acertadamente numa contestação ou num recurso, pode sensibilizar muito mais que uma coletânea de arestos repetitivos ou a reprodução de doutrina superada.

Acertadamente, Ernest Hemingway deixou-nos esta advertência, aplicável aos operadores do Direito: “Corte todo o resto e fique com o essencial”.

Atheniense

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