Os Estados Unidos, nação mais poderosa do mundo, começa a movimentar-se na tentativa de corrigir o erro cometido em 2016, quando elegeu um candidato sem nenhuma experiência em cargos públicos e alheio aos direitos constitucionais definidos na histórica Convenção de Filadélfia.
A esta altura, só se sabe que o cidadão surpreendentemente eleito empenha-se em permanecer no poder, sem abdicar do autoritarismo materializado na construção do muro divisório com o México e no obstinado expurgo dos imigrantes.
De parte dos democratas, há mais de uma dezena de pretendentes à Casa Branca, sem que haja um nome capaz de galvanizar a simpatia dos eleitores em condições de rivalizar com o atual mandatário, impedindo-o de prosseguir com suas bravatas que colocam em risco não só a hegemonia do país, como a paz mundial.
É compreensível o interesse do governo brasileiro pela manutenção deste “statu quo”, como já foi anunciado, tal a fidelidade que o presidente Jair Bolsonaro jurou a Donald Trump a partir do segundo dia de sua investidura.
No livro “Como as Democracias Morrem”, best-seller do “New York Times”, deparamos com uma reflexão que tem inteira serventia ao Brasil de hoje. Segundo seus autores, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, professores de Harvard, desde a Guerra Fria, a maior parte dos colapsos democráticos não foi causada por generais ou revoluções. Mas, sim, pelos próprios presidentes eleitos em pleitos formalmente normais. Foi o que sucedeu, entre outros países, na Hungria, Peru, Polônia, Turquia e Ucrânia.
O retrocesso democrático começa já nas urnas na escolha dos eleitos, que, a partir de um sufrágio aparentemente regular, iniciam uma via eleitoral perigosamente enganosa. Naqueles países há, presentemente, um verniz de democracia, pois as instituições funcionam satisfatoriamente. Mas, em estado latente, há uma disposição permanente em governar com a predominância do ego presidencial. E não tendo como norte os princípios que importem na prevalência da vontade popular.
É o que sucede comumente, inclusive naqueles países cujas Constituições contêm o princípio de que “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”.
O processo de erosão da democracia não ocorre num ato isolado. É gradativo e, na maioria das vezes, imperceptível. Trata-se de um desmoronamento lento, cujos efeitos só serão conhecidos a final, quando não há mais condições de deixar o caminho tortuoso a que o país foi levado.
O erro cometido pelos eleitores norte-americanos, em novembro de 2016, não pode ser repetido. Ainda que os Estados Unidos estejam desfrutando de uma economia estável, sem crise de desemprego.
Convenhamos que a surpreendente vitória de Trump não decorreu da insatisfação dos que o elegeram, ou da falta de alternativa na escolha a ser feita, como sucedeu em nosso país. Resultou da condescendência do Partido Republicano, que não conseguiu impedir que um demagogo conservador ingressasse em suas fileiras e delas saísse consagrado para concorrer à presidência.
Tratava-se de um magnata que, apesar de sua conduta pessoal e familiar ser condenável e conhecida, contou com um desmedido poder econômico que arrebatou de Hillary Clinton, esposa de um ex-presidente e que fora Secretária de Estado, uma eleição que parecia já estar definida a seu favor.
Assim que Trump foi sagrado vencedor, as grades de proteção da democracia nos Estados Unidos se enfraqueceram visivelmente. Desde então, estenderam-se além das diferenças políticas, gerando conflitos de raça e cultura. Atualmente, a sociedade norte-americana tende a intensificar a polarização partidária, o que concorre para a debilidade irrecuperável do regime.
Ante a experiência que os Estados Unidos vivem na atualidade, é compreensível a mensagem deixada pela ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge, na última sessão de que participou no STF, contando com o apoio viril do ministro Celso de Mello.
Com o devido respeito, deixou aos ministros daquela Corte “um alerta para que fiquem atentos a todos os sinais de pressão sobre a democracia liberal”, enfatizando que é “singularmente importante a responsabilidade do STF para acionar o sistema de freios e contrapesos para manter leis válidas perante a Constituição”.
Esta enérgica e oportuna manifestação para que o Tribunal não fique, doravante, à mercê do Executivo, está em sintonia com a máxima legada por Thomas Jefferson aos seus concidadãos, mas que tem serventia aos brasileiros na presente quadra: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”.
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