01/12/2019, por Aristoteles Atheniense 

A morte de um bravo

A advocacia brasileira está de luto. Morreu na última segunda-feira, 25, aos 83 anos, o ex-presidente da OAB, Eduardo Seabra Fagundes.

Seabra Fagundes passou à história da instituição como um crítico à ditadura militar no período em que exerceu o seu comando (1979-1981). Tornou-se um combativo opositor do regime de exceção, ganhando notoriedade por ocasião da trágica detonação que vitimou sua secretária, Lyda Monteiro da Silva, em 27 de agosto de 1980.

Naquela tarde, o sargento paraquedista, Magno Catarino da Mota, conhecido pelo codinome “Guarany”, foi portador de um embrulho entregue na sede da OAB, na avenida Marechal Câmara, que tinha como destinatário o presidente da Casa.

Seabra Fagundes estava ausente, participando de uma reunião destinada a apurar o atentado e sequestro do jurista Dalmo Dalari, ocorrido pouco antes da primeira visita do Papa João Paulo II ao Brasil, em julho daquele ano.

A explosão destruiu a sala do presidente e mobiliários, com a morte imediata da antiga servidora.

Ao tomar conhecimento do fato, na condição de presidente da seccional mineira, dirigi-me imediatamente à sede da OAB Federal em companhia do advogado, jornalista e professor universitário, Milton Fernandes, representante de Minas Gerais naquele órgão.

Em face da tragédia, a opinião pública nacional passou a acompanhar ansiosamente a evolução dos acontecimentos. O presidente Figueiredo chamou a si a responsabilidade de localizar e punir os malfeitores, proclamando que “nem mil bombas me impedirão de fazer desse país uma democracia”.

Decorridos alguns dias, novo atentado aconteceu. Desta vez, em Belo Horizonte, com a queima e destruição de um veículo da Caixa de Assistência dos Advogados, em plena luz do dia, à porta de nossa sede na rua Albita. Desde então, recebi ameaças de morte que se renovavam na medida em que exigia do governo estadual a imediata apuração do fato.

Com o passar dos anos, veio à tona a notícia de que a ação criminosa havida no Rio de Janeiro fora coordenada pelo coronel do exército Freddie Perdigão Pereira. A confecção do artefato mortífero ficara a cargo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, Este pereceu no fracassado atentado ocorrido em 1981, num show comemorativo do Dia do Trabalho no Rio Centro, quando da explosão da bomba que trazia no colo, prestes a ser lançada sobre a multidão.

Dos três personagens responsáveis pela trama sinistra somente sobrevive o sargento “Guarany”, que reluta em reconhecer a sua participação na entrega do explosivo, apesar das provas que o comprometem.

Seabra Fagundes sempre foi um denunciante audaz da tortura e do desaparecimento dos antagonistas do regime militar. Em tempo difícil para a advocacia, defendeu corajosamente as pautas sociais, empenhando-se na luta pela anistia e o retorno ao Estado de Direito.

Tornou-se a pedra angular no processo de redemocratização, havendo criado a Comissão de Direitos Humanos no Conselho Federal da OAB, pontificando no combate ao arbítrio e desafiando o sistema opressor.

Visitou todos os estados da Federação, estimulado por Sobral Pinto, enfrentando os riscos de seus pronunciamentos, sem se atemorizar com novos atentados de que pudesse ser vítima.

Na Conferência Nacional da OAB, no mesmo ano, que teve como emblema a “Liberdade”, Seabra Fagundes cobrou do ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, a apuração do infausto acontecimento. Não houve qualquer resposta das autoridades. Somente através da Comissão da Verdade foram identificados os facínoras, embora até hoje não se saiba de quem partiu a ordem que trucidou a funcionária da OAB.

O denodo de Eduardo Seabra Fagundes merece ser exaltado, mormente nos dias atuais, ante as manifestações favoráveis ao retorno do AI-5 pelos que não comungam dos ideais democráticos, optando pelo autoritarismo desagregador.