17/03/2020, por Atheniense Advogados

Aéreas dificultam cancelamento de passagens em meio à pandemia de coronavírus

Em meio à pandemia de coronavírus, aumentaram as reclamações de consumidores insatisfeitos com as empresas aéreas e do setor de viagens na negociação para adiar ou cancelar contratos. Preocupados com a expansão da doença, os turistas pedem o adiamento, cancelamento ou reembolso das passagens, sem a cobrança de multas. Os órgãos de defesa do consumidor e os advogados tentam fechar acordos com as companhias, que aos poucos flexibilizam as condições. Com base em artigos do Código de Defesa do Consumidor que preveem direitos básicos em situações excepcionais, os passageiros têm garantias a pleitear.

Desde o início de março, o escritório de advocacia Aristóteles Atheniense atendeu pelo menos 20 clientes com problemas envolvendo viagens por causa da pandemia de coronavírus. A advogada Luciana Atheniense explica que a maior parte dos que procuraram o escritório com esse tipo de solicitação são idosos. “Eles estão com medo de contrair a COVID-19, por serem do grupo de risco. Mas, principalmente, estão receosos de ser colocados em quarentena em hotéis e navios e assim perder a viagem”, afirma a advogada. Luciana prefere tentar celebrar acordos com as companhias para evitar entrar na Justiça. O escritório já conseguiu negociar sem judicialização com empresas prestadoras de serviços de cruzeiros, mas encontra mais dificuldades com as companhias aéreas.

Seguros de viagens que não cobrem pandemias e epidemias e a dificuldade de receber reembolso de pacotes que foram comprados promocionalmente também estão entre as reclamações dos clientes. Luciana afirma que o problema já melhorou com relação às últimas semanas, já que as empresas estão mais dispostas a negociar, em meio à expansão do vírus. “Mas não são todas as companhias que estão flexibilizando as condições. Além disso, os canais de atendimento estão cheios e está havendo atraso”, explica a advogada.

Como não é possível prever como a situação estará no médio prazo, a advogada orienta os clientes a tentar adiar os passeios pelo menos até o segundo semestre deste ano. “É uma situação na qual as duas partes estão perdendo. O consumidor em geral quer viajar, mas quer ir mais tarde. E as companhias aéreas estão passando por uma crise muito forte de demanda”, conclui Luciana.

O Procon da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) registrou cerca de 50 reclamações relacionadas ao setor de viagens devido ao coronavírus entre o início de março e o fim da semana passada. Segundo o coordenador do Procon Assembleia, Marcelo Barbosa, o órgão ainda não recebeu nenhum retorno dos fornecedores dos serviços, mas ainda há tempo hábil para a resposta. “Recomendamos ao consumidor que entre em contato com as empresas e registre por escrito a negativa para cancelamento ou adiamento das viagens”, orienta Barbosa.

O Procon do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) não tem levantamento do número de reclamações de consumidores insatisfeitos com as empresas de viagens desde o agravamento da crise de coronavírus. Porém, o promotor de Justiça de Defesa do Consumidor de Belo Horizonte, Paulo de Tarso Morais Filho, afirma que esse tipo de acionamento aumentou nas últimas semanas.

Por outro lado, o promotor acredita que a questão está se resolvendo, uma vez que as empresas estão entendendo a situação dos clientes. “Faz uma semana que já há um entendimento por parte das empresas aéreas, elas estão fazendo acomodações. Muitas situações se acomodaram por si próprias”, afirma Morais Filho.

Por isso, o promotor de Justiça diz a restrição de voos por parte de muitos países, como a Itália, contribui para a resolução dos problemas dos consumidores. “Ainda há a questão do atraso no atendimento, com o aumento da demanda nos canais de comunicação. Mas não podemos culpar as empresas por isso”, afirma Morais Filho. O promotor recomenda que os consumidores não comprem passagens no curto prazo, até que a pandemia esteja controlada.

Fato superveniente 

Os advogados e responsáveis pelos órgãos de defesa do consumidor baseiam a negociação com as empresas de viagens em três incisos do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que estabelece os direitos básicos do consumidor. O inciso 1 prevê que é direito básico “a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”.

Já o inciso 5 prevê que também é direito básico revisar cláusulas contratuais “em razão de fatos supervenientes”. Ou seja, uma cláusula que prevê multas pode ser modificada com uma situação excepcional. Por fim, o inciso 6 classifica “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” como direito do consumidor.

Recomendação 

Em posicionamento divulgado no último sábado, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), recomendou que os consumidores tenham condições de remarcar as viagens turísticas sem custos adicionais pelos próximos 60 dias. A orientação também é válida para reservas em hotéis e pacotes turísticos. Segundo a Senacon, os consumidores podem se utilizar do artigo 393 do Código Civil, que estabelece a hipótese de caso fortuito ou de força maior para que o devedor não responda por prejuízos.

O fator fortuito, no caso, é a pandemia de COVID-19. De acordo com Senacon, esse entendimento é válido para destinos nacionais e internacionais onde é comprovado o contágio pelo vírus. “Especialmente em casos de passageiros idosos ou outros grupos de risco e ainda nas situações em que governos decretaram pandemia, suspensão de espetáculos, aulas, entre outras medidas”, afirma o texto da Senacon. A entidade também orienta as empresas do setor de viagens a negociar com os consumidores e evitar a judicialização dos casos.

Direitos

O que preveem os códigos de Defesa do Consumidor e o Civil

 » Proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos.

» Revisar cláusulas contratuais em razão de fatos supervenientes.

» Efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

» Caso fortuito ou de força maior não devem levar o consumidor a ter prejuízos.


Matéria publicada no Jornal “Estado de Minas”. Por Felipe Quintella