Alimentos: quando cessa a obrigação
O instituto jurídico dos alimentos tem como objetivo precípuo garantir a sobrevivência daqueles que, desprovidos de recursos, necessitem do auxílio de parente, cônjuge ou companheiro para sobreviver.
A obrigação de prestar alimentos, por óbvio, decorre da lei civil, sabido que, no Direito Brasileiro, ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (CRFB/1988, art. 5.º, inciso II).
Existe em nosso ordenamento jurídico três (3) formas distintas de obrigação alimentar. A primeira decorre do dever de sustento (art. 229, CFRB/1988, art. 1.568, CCB/2002 e art. 22 do ECA – Lei n.º 8.069/1990) dos pais em relação aos filhos, sendo inerente e decorrência do Poder Familiar. A segunda está afeta à solidariedade familiar decorrente da relação de parentesco entre as partes (art. 1.694, art. 1.696 usque art. 1.698 CCB/2002 – Lei n.º 10.406/2002). Já a terceira, que não interessa ao Direito das Famílias, decorre da prática de ato ilícito (CCB/2002, art. 948), como ocorre, por exemplo, nos casos de homicídio em acidente automobilístico, em que o causador do evento danoso é compelido a pagar alimentos à família da vítima.
Entretanto, como este texto destina-se a tratar dos alimentos sob o prisma do Direito das Famílias, a análise da terceira modalidade fica relegada para outra oportunidade.
Os alimentos de que tratamos decorrem, então, de três (3) causas: i) do Poder Familiar (dever de sustento); ii) da relação de parentesco; iii) da condição de cônjuge ou companheiro. Vale ressaltar que cônjuge também é parente. Porém, como a lei civil cuidou de individualizá-lo quando elencou expressamente aqueles que podem pleitear os alimentos, assim também o faremos aqui.
Os alimentos decorrentes do Poder Familiar são aqueles devidos pelos pais aos filhos menores ou incapazes. Essa modalidade de alimentos corresponde ao dever que os pais têm de prover o sustento dos filhos e cessa automaticamente quando estes atingem a maioridade, seja por alcançar os dezoito (18) anos completos ou pela emancipação civil, nas hipóteses expressamente previstas em lei (CCB, art. 5.º), tais como casamento, colação de grau em curso superior, investidura em emprego público, estabelecimento civil ou comercial, dentre outras.
Curial ressaltar, todavia, que a cessação automática do dever de sustento não implica em exoneração automática do dever de prestar alimentos, posto que cessado o dever de sustento, a obrigação alimentar passa a vigorar sob outro fundamento, agora vinculado à solidariedade familiar decorrente da relação de parentesco. Em 13/08/2008, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n.º 358, pela qual restou vedado o cancelamento automático de pensão devida a filho que alcançou a maioridade, sendo certo que eventual pedido de exoneração de alimentos deverá ser processado, ainda que nos próprios autos, mediante a oitiva do beneficiário da pensão e produção das provas necessárias.
Dessarte, mesmo já tendo alcançado a maioridade civil e restando cessado o Poder Familiar, os filhos poderão pleitear alimentos dos pais, porém, sob outro fundamento: relação de parentesco.
Ademais, é bastante raro atualmente depararmos com algum jovem que logo após ter alcançado a maioridade civil já se encontre em condições de prover o próprio sustento, sem o auxílio de seus pais. Em verdade, com a redução da maioridade civil dos vinte e um (21) para os dezoito (18) anos, ocorrida em 11.01.2003 com a vigência do Código Civil atual, somada à competitividade do mercado de trabalho, que busca cada vez mais profissionais com boa qualificação e experiência, a maioria quase absoluta dos jovens que recém atingiram a maioridade civil ainda está dedicada aos estudos e sem condições de prover o sustento próprio. Aliás, para conseguir uma boa colocação profissional, o jovem moderno tem mais é que se entregar aos estudos.
Nesta ordem de ideias, não se pode perder de vista que a busca de uma boa e sólida formação técnica e profissional, a garantir-lhe colocação no mercado de trabalho, exige do jovem, além de muito esforço, um tempo considerável de devoção aos estudos. Geralmente o estudo superior implica em maiores gastos e menor disponibilidade de tempo. Assim, na grande maioria dos casos os jovens adultos que recém atingiram a maioridade civil ainda dependem, quase integralmente, do auxílio material de seus pais.
Também não se pode olvidar que todo e qualquer esforço do jovem no sentido de qualificar-se para o mercado de trabalho, será, obviamente, motivo de sossego e segurança para os pais, eis que quanto maior a qualificação intelectual e profissional daquele, menor a probabilidade vir a necessitar de alimentos no futuro, ao mesmo tempo em que maior será a chance de vir a ter condições financeiras de concorrer para os sustento dos pais na velhice.
Ainda sob o fundamento legal da obrigação alimentar decorrente das relações de parentesco, podem os parentes, os cônjuges e companheiros requerer, um dos outros, os alimentos necessários à própria mantença, desde que a pessoa que os pleiteiam seja desprovida de recursos para tanto, e, também, que aquele de que se pleiteiam os alimentos, possa pagá-los sem lhe faltar o indispensável à própria subsistência. A obrigação alimentar, porém, não é perpétua.
A legislação civil prevê expressa e objetivamente apenas algumas poucas situações de extinção da obrigação alimentar: casamento, união estável ou concubinato do credor (CCB/2002, do art. 1708), além de comportamento indigno do credor em relação ao devedor.
Quanto ao casamento, por se tratar de ato jurídico solene, a prova se faz mediante apresentação da certidão expedida pelo Oficial do Registro Civil. Todavia, quanto à união estável e ao concubinato dependerão de prova de sua configuração e/ou declaração judicial de sua existência, em processo regular, sob o crivo do contraditório ou, ainda, no caso da primeira, mediante apresentação de escritura pública, caso existente. Já no que diz respeito à indignidade, esta também poderá ser provada nos próprios autos da ação de alimentos ou de exoneração de pensão, assim como poderá também, ser utilizada prova emprestada de eventual ação declaratória ajuizada para fins sucessórios. Isso porque se aquele que postula alimentos foi declarado indigno no juízo sucessório (da herança) também será considerado indigno para pleitear alimentos do cônjuge, do ascendente e dos descendentes do falecido.
Aplicam-se aos casos de (des)obrigação alimentar as mesmas causas de indignidade previstas para a sucessão causa mortis (CCB, art. 1814), quais sejam: “I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade”.
Há algum tempo, a imprensa noticiou o caso de uma jovem paulista, que após assassinar os pais, foi declarada indigna de concorrer à herança, sendo excluída da sucessão. Nesse caso, se a jovem eventualmente vier a necessitar de alimentos para sua sobrevivência, não poderá pleiteá-los dos avós, tampouco do irmão, pois tendo sido coautora de homicídio contra descendente e ascendente daqueles que seriam chamados para fazer frente à obrigação alimentar, é considerada indigna e não faz jus a receber alimentos destas pessoas. Nada impede, entretanto, que vindo a se casar, possa ela, no caso de dissolução do casamento, exigir alimentos do ex-cônjuge.
No que tange aos alimentos devidos entre pais e filhos, a lei não cuidou de tratar expressa e minuciosamente das causas de cessação da obrigação alimentar. Não há na lei civil um critério objetivo para o término de tal obrigação alimentar. Como visto anteriormente, mesmo cessado o dever de sustento decorrente do Poder Familiar, os filhos maiores têm direito de pleitear alimentos dos pais, caso venham a necessitar de auxílio para prover o sustento próprio, desde os pais possam arcar com tal encargo.
A jurisprudência dos nossos tribunais vem convencionando, no entanto, que os alimentos devam cessar com a colação de grau em curso superior, nos casos em que os filhos estejam efetivamente estudando. Isso, muito embora cada caso mereça atenção e exame específico dos fatos e das provas carreados ao processo, ante as particularidades de cada caso.
É evidente que os filhos fazem jus a pleitear alimentos dos pais mesmo após alcançarem a maioridade. Contudo, a necessidade que em relação aos filhos menores era presumida, no que tange aos filhos maiores deverá ser provada. Isso, aliás, com boa razão, já que o trabalho é dever e obrigação social de todos.
Nos casos em que os filhos, por opção própria, não estejam estudando, compete-lhes buscar algum trabalho, posto que a Lei Civil não deseja a banalização do instituto dos alimentos, tampouco seja utilizado como estímulo ao ócio e ao parasitismo.
Conclui-se, portanto, no que diz respeito ao término da obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos, que, à exceção dos casos de casamento, união estável, concubinato e indignidade destes, a jurisprudência contemporânea aponta para o término da obrigação alimentar após a conclusão de curso superior, nos casos em que os filhos se encontrarem devotados ao estudo superior ou técnico. A partir daí, gozando de boa saúde, os filhos devem buscar por si próprios, meios para garantir sua sobrevivência.
Outrossim, não se dedicando ao estudo e/ou à busca de qualificação profissional, competirá aos filhos maiores alcançar meios de prover o próprio sustento, pois, a rigor, cada um é responsável pela própria mantença e deve trabalhar para fazê-lo.
SÍLVIO Augusto TARABAL Coutinho
Advogado. Vice-Presidente do IBDFAM/MG
silvio@atheniense.com.br | silvio@tarabal.com.br
www.atheniense.com.br | www.tarabal.com.br