Banco é impedido de realizar venda casada de seus produtos
A Caixa Econômica Federal não poderá mais exigir que mutuários do Sistema Financeiro de Habitação abram conta corrente na instituição para ter direito ao financiamento imobiliário. A proibição, que se estende à realização da chamada venda casada [condicionar o fornecimento de produto ou serviço à aquisição de outro produto ou serviço], consta de sentença proferida na Ação Civil Pública nº 2008.38.03.001017-0.
A decisão vale para todo o país.
Proposta pelo Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) há cerca de seis anos, a ação questionou a legalidade das exigências, por entender violados os direitos à liberdade de escolha e à informação clara e adequada previstos pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90), além de considerar prática abusiva a oferta casada dos produtos, em especial a obrigatoriedade de contratação de seguro através de seguradora escolhida pela própria CEF nas operações de empréstimo imobiliário.
A Caixa se defendeu alegando que a contratação do seguro nos contratos do SFH decorre de lei, mais especificamente da Resolução 3005/2002 expedida pelo Banco Central do Brasil (BACEN), com o entendimento de que se a contratação do seguro é obrigatória, esta deve se dar por interveniência da instituição concedente do crédito, no caso, a Caixa Seguros.
O magistrado não acolheu a argumentação e citou precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo o qual, embora a contratação do seguro seja obrigatória, o banco não pode impor que tal contratação se dê diretamente com ele, sob pena de tal imposição configurar venda casada.
Na verdade, conforme destacou a sentença, uma resolução do Bacen, posterior àquela citada pela Caixa em sua defesa, expressamente assegurou aos mutuários a liberdade de escolha na contratação da apólice do seguro obrigatório, determinando que sejam oferecidas aos clientes pelo menos duas opções de apólices emitidas por diferentes seguradoras habilitadas a operar o seguro habitacional, de forma que pelo menos uma delas não seja coligada ou pertença ao banco concedente do empréstimo (Resolução 3.811/2009).
Para o juiz, “não obstante a citada Resolução ser posterior aos contratos de financiamento habitacional questionado nos autos e celebrados pela parte ré, a vedação de prática de venda casada e o direito à liberdade de escolha são assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor em seus artigos 39, I e 6º, II, de obrigatória observância por todas as instituições financeiras em suas relações com seus clientes”.
Falta de informação – Outra irregularidade apontada pela ação diz respeito à falta de informações claras para o cliente no momento da contratação, em especial a que se relaciona à imposição de abertura de conta corrente como condição para a obtenção do financiamento imobiliário.
Várias testemunhas, durante a instrução processual, afirmaram em juízo que a Caixa não informou sobre a possibilidade de pagamento das parcelas através de boleto bancário, e mesmo quem possuía conta poupança na instituição teve que abrir conta corrente para poder realizar o financiamento, por não saber que poderia quitar as parcelas através da poupança.
De acordo com o MPF, a falta de informações é proposital, pois induz o consumidor a adquirir um produto que, de outra forma, ele não o faria. Por isso, afirma a sentença, a abertura de conta corrente pelos clientes mutuários junto à CEF acaba se tornando “condição essencial para a celebração e manutenção dos contratos de financiamento habitacional”, configurando a prática de venda casada, “em total afronta ao CDC”.
O magistrado esclareceu, no entanto, que se a abertura da conta corrente para débito das parcelas do financiamento for condição vantajosa para o cliente, com a oferta de desconto na taxa de juros, desde que fique ao livre arbítrio do consumidor optar pela forma que lhe for mais favorável, não implicará em venda casada, desde que seja “apenas mais uma opção colocada à disposição do consumidor e não uma imposição para a obtenção do financiamento”.
Dano moral – Atendendo outro pedido feito pelo Ministério Público Federal, o juiz condenou a Caixa por dano moral coletivo, por considerar que “a conduta ilegal praticada pela parte ré não se restringiu a um fato isolado, mas se trata de conduta reiterada, cujo grau de reprovação é ainda maior por se tratar de empresa pública federal, uma das responsáveis pela implementação da política habitacional do governo federal, de cunho eminentemente social”.
O valor da indenização foi fixado em 100 mil reais e deverá ser destinado a um fundo gerido por Conselho Federal. (ACP nº 2008.38.03.001017-0)
Fonte: Ambito Jurídico