19/02/2020, por Aristoteles Atheniense 

Como salvar a democracia

Na véspera do resultado da eleição presidencial dos EUA, em 2016, a maioria dos observadores e cientistas políticos, não concebia que no dia seguinte aquele país passaria a conviver com o mais extravagante dirigente de sua história.

Pela primeira vez, um homem sem nenhuma experiência em cargos públicos, com aparente compromisso com seus eleitores, sem nenhum respeito aos direitos constitucionais e tomado de claras tendências autoritárias, foi eleito presidente.

Tratava-se de um candidato que até pouco tempo não tinha sequer filiação partidária e que carecia dos princípios éticos para assumir o comando da maior potência do mundo.

Entre uma mulher de reconhecidos méritos, que fora secretária de Estado do governo anterior e um mega aventureiro despido de tradição, os eleitores optaram por uma experiência de efeitos duvidosos, colocando na Casa Branca alguém que ali não merecia estar.

O vencedor pretende ser conservado no posto que ocupa, entusiasmado com a recusa do temerário impeachment que seus adversários promoveram. Para esse desfecho concorreu a insuficiência da representação dos democratas no Senado e o fato de que a economia do país vive uma fase promissora de expansão.

O desemprego, sendo inferior a 4% significa pleno emprego, o que raramente sucede em outros países. O presidente conseguiu promover uma conexão emocional com setores agrícola e industrial dos estados, o que lhe serve de suporte em sua arrojada pretensão. Esse quadro alvissareiro é tido como o prenúncio de uma vitória que, para alguns, a esta altura, já está consolidada.

O candidato é o mesmo que, poucos dias após a sua posse, cometeu o descalabro de proclamar que se valeria do Departamento de Justiça e do FBI na perseguição aos adversários, determinando investigações que pudessem levar Hillary Clinton à prisão.

Em fevereiro de 2017, já qualificava a mídia como “inimiga do povo americano”, gabando-se de haver obtido a maior vitória do colégio eleitoral desde Ronald Reagan, o que não passa de uma patranha.

Desde então, concentrou seus ataques nos jornais “The New York Times”, “Washington Post” e “Los Angeles Times”, bem como na cadeia de TV CNN, acusando-os de mentir ou distribuir “fake news”. Não tardou a proibir que os repórteres desses órgãos tivessem acesso às reuniões de jornalistas na Casa Branca, escolhendo, a dedo, a TV Fox e outros jornais simpáticos ao seu governo na divulgação de sua lorotagem diária. 

A erosão da democracia, em qualquer parte do planeta, é um perigo muitas vezes imperceptível. O tabique de proteção da democracia nos EUA, desde que Trump assumiu o seu comando, tende a ruir a cada dia, seja internamente, seja na relação com os demais povos com que aquele país sempre manteve bom relacionamento.

A conduta de Donald Trump importa num desafio à democracia global, posta em prática por um fanfarrão que se vale de todos os meios para vencer, sem que até hoje enfrentasse uma oposição robusta, capaz de contê-lo em sua intrepidez, nem partidários que lhe impeçam de levar adiante a sua odiosa maneira de administrar.

Na medida em que se aproxima o novo pleito, Trump se esmera no ataque à liberdade de imprensa, no esfacelamento de organismos internacionais – a começar da ONU – que garantiram a ordem mundial surgida no pós-guerra.

O triunfo de seu nacional populismo contribuiu, também, para a ascensão de líderes afins em outros continentes, contando com a solidariedade da direita, como sucedeu ao Brasil, Hungria, Polônia, Turquia, entre outros.

Aqueles governantes que, como Trump, abominam as vantagens do regime democrático com os riscos que possa trazer, assim procedem voltados mais para suas conveniências pessoais, pelo interesse em se manter no poder, do que considerando o futuro e a grandeza da nação que presidem.

Tomados desse sentimento de resistência aos demolidores da democracia, os professores de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, advertiram em aclamado “best seller”: “Nenhum líder político, isoladamente, pode acabar com a democracia, nenhum líder sozinho pode resgatar uma democracia, tampouco. A democracia é um empreendimento compartilhado. Seu destino depende de todos nós” (“Como as democracias morrem”, Zahar, 2018, p. 217).