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Da acusação obstinada

A investidura da nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, gerou expectativa quanto ao rumo que irá imprimir ao órgão que a Constituição de 1988 conferiu relevantes atribuições.

Rusgas ocorridas entre Rodrigo Janot e Gilmar Mendes, nos últimos meses, concorreram para a incerteza quanto ao papel que o Ministério Público exercerá doravante, inclusive no prestígio da Operação Lava Jato.

A ausência de Rodrigo Janot à solenidade de posse de sua substituta aumentou essas especulações, tanto em relação aos processos pendentes, como aos que ainda venham a ser instaurados.

Mesmo admitindo a seriedade dos procuradores que atuam nas investigações ao lado da Polícia Federal, não raramente, esses se exorbitaram no cumprimento de suas funções, em manifesta deformação da missão institucional que deveriam cumprir.

O compromisso que um promotor ou procurador tem com a busca da verdade e o ideal de Justiça, não difere do que se exige de um magistrado. A sua função prioritária é o zelo na aplicação da lei e não a acusação sistemática, por dever de ofício, mesmo na falta de prova idônea que possa respaldar o libelo acusatório.

Daí a sua obrigação em sopesar os elementos de convicção colhidos no inquérito policial e não denunciar de forma pirrônica, valendo-se de suposições que possam suprir a carência de prova ou de indícios comprometedores.

Se, ao invés de zelar pelo cumprimento do direito positivo, o procurador se torna um acusador empedernido, mais preocupado em se projetar junto à opinião pública do que exercitar a tarefa que lhe foi confiada, objetivando um resultado equânime, haverá um risco ainda mais grave que a própria ilicitude por ele investigada.

Se do advogado não se exige imparcialidade na defesa que patrocina, o mesmo não ocorrerá ao representante do MP, cuja atuação estará balizada no texto legal, de modo a impossibilitar que no julgamento do réu prevaleça a sua vontade, simplesmente.

Ao denunciante não é dado joeirar a prova, apegando-se somente à que possa favorecer uma condenação, abstraindo-se de outras que concorram para a rejeição da denúncia que oferecera.

Mais importante que um decreto condenatório, ainda que possa servir de exemplo a outros infratores, é o julgamento isento, acima de injunções políticas, arrimado em dados concretos, com fidelidade às provas existentes nos autos.

A procuradora Raquel Dodge, mesmo não encabeçando a lista em que foi escolhida para chefiar o Ministério Público, reúne predicados que a credenciam a uma gestão responsável e séria. Como não há de sua parte qualquer compromisso com o seu antecessor, não poderá se empolgar pelas condenações já conhecidas: cumpre-lhe medir o alcance de seus pronunciamentos, evitando demonstração de força e prestígio da atividade para a qual foi escolhida.

Se isto não ocorrer, o Ministério Público faltará no cumprimento de seu ofício, frustrando a confiança da Nação, contribuindo para esta onda de desengano e insegurança que torna incerto o dia de amanhã.

Aristoteles Atheniense

Presidente da Seccional mineira da OAB por dois períodos (1979 a 1983); Secretário Geral do Conselho Federal (1993/1995); Vice-Presidente Nacional da OAB

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