A lamentação de Bolsonaro de que as atuais instituições inviabilizam o seu governo, nos leva de volta a 1960. Se hoje as dificuldades encontradas abrem caminho para uma “ruptura institucional irreversível”, também Jânio Quadros, em sete meses de gestão, não conseguiu avançar em sua agenda.
Queixava-se do tratamento recebido do Legislativo, que o levava a admitir a existência de uma conspiração incontrolável voltada, exclusivamente, para os interesses individuais, frustrando as suas metas de candidato.
Jânio começou propondo a desvalorização da moeda em 100%, cortando os subsídios do trigo e petróleo. Com o passar dos dias, na busca do prestígio popular – que não obtivera no Congresso – passou a adotar as mais estapafúrdias medidas. O país foi surpreendido pela proibição do uso de biquínis nas praias, das corridas de cavalos em dias úteis, das brigas de galo, além da extinção do lança-perfume.
Mas não ficou nisso. Tornou obrigatório o uso de safaris (slacks ingleses da Índia) por funcionários públicos, além de conferir a Che Guevara a Grã-Cruz da Ordem do Cruzeiro do Sul, maior honraria destinada aos estrangeiros, demonstrando que pretendia livrar-se do Congresso que tanto o incomodava.
Na medida em que o tempo fluía, o povo se convenceu de que o combate à corrupção e à inflação, herdadas de Juscelino na construção de Brasília, não passavam de meras figuras de retórica ou de subterfúgios utilizados para justificar o fracasso iminente.
Em sua atoarda, Jânio atribuía o malogro às “forças ocultas” que definhavam o seu governo, colocando em risco a sua própria pessoa. Havia um temor visível de que o presidente pudesse ser vítima de um atentado, em circunstância semelhante a que atingiu Bolsonaro em Juiz de Fora.
Jânio Quadros, em sua carta de renúncia, lida no Congresso Nacional, procurou eximir-se da responsabilidade obtida nas urnas, mediante o pretexto de que “fui vencido pela reação”, embora “trabalhando infatigavelmente, sem prevenções, nem rancores”.
Essa escusa guarda sintomática analogia com a assertiva de que o Brasil corre o risco de tornar-se ingovernável, caso não se obtenha uma solução “capaz de galvanizar o apoio popular”.
Das apreensões de Bolsonaro, certamente, participam o mentor Olavo de Carvalho e os filhos fanfarrões. Fica em plano inferior o fato de nosso país afundar-se, a cada dia, em novos problemas, com a perda substancial da reforma da Previdência, que Bolsonaro elegeu como “carro-chefe” de sua ação presidencial.
Jânio Quadros tinha como orientadores o ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, de reconhecida competência e livre trânsito no Legislativo, a quem confiou a mensagem de sua abdicação, levada ao conhecimento do Congresso.
Bolsonaro, por sua vez, não tem em Sérgio Moro um político dotado da mesma experiência que Pedroso Horta trazia consigo no episódio do dia 25/8/61. Os militares que recrutou para a sua administração, por mais honestos e responsáveis que sejam, carecem de vivência suficiente para enfrentar os embates da política, com todos os seus meandros.
Há, pois, no texto apocalíptico divulgado no Dia do Soldado, em 1961, expressiva semelhança com o que foi conhecido em 17 de maio deste ano, que, embora não seja de autoria do presidente, contou com a sua aprovação. Daí poder-se afirmar que estamos assistindo ao mesmo filme, numa versão mais atualizada, embora os atores não possam ser comparados, o que não deixa de ser preocupante.
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