06/02/2012, por Atheniense Advogados

Faltam engenheiros, sobram advogados e pedagogos

Revista Fato Relevante, n° 25, 2011

Faltam engenheiros, sobram advogados e pedagogos

Mercado de empregos disputa, a tapa, a mão de obra especializada para construir o país e melhorar a estrutura tecnológica

Estranha e preocupante a situação da sétima economia do mundo, o Brasil, no que se refere à educação, frente à demanda de profissionais. O país tem um déficit de 75 mil engenheiros, de acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Mas, no ensino superior, a supremacia é das faculdades de ciências humanas: são 1.145 escolas de Direito; 1.972 facul dades de Pedagogia; 2.079 cursos de Letras; e 356 cursos de Jornalismo – números oficiais do Ministério da Educação (MEC). Tais faculdades continuarão formando multidões a cada semestre. Mas, esses profissionais não deverão se beneficiar da prosperidade econômica atual, e futura do país.

Na Engenharia Civil, no momento uma das áreas mais demandadas, há apenas 399 faculdades; na área de tecnologia, o setor de Sistemas de Informação, com forte procura do mercado, tem escassas 411 faculdades; Tecnologia da Informação (TI), 160 faculdades; e existem apenas duas instituições superiores direcionadas para os importantes e atualíssimos setores de petróleo e de gás. Esses números revelam o verdadeiro descompasso do ensino superior com a nova ordem econômica nacional.

ABISMO EM BH. Em Belo Horizonte, o re trato do abismo entre mercado e universidade é o mesmo. Pelos números do MEC,aqui existem 25 faculdades de Direito, contra 11 de Engenharia Civil; a Engenharia Química, outra necessidade premente, tem a penas seis faculdades na cidade, número que em pata com as faculdades de Jornalismo e é menor do que as dez instituições de Letras, oi to de Filosofia e as 35 instituições de Pe dagogia. E, para que tantos cursos na área de hu manas, se a busca atual é por profissionais de ciências exatas? Os especialistas têm várias explicações.

O coordenador de economia do Ibmec-MG, Márcio Salvato, diz que as escolas estão fechando os olhos para o que o mercado quer. Doutor em Economia, Salvato assinala as áreas que estão na contramão do desenvolvimento: Direito, Administração de Empresas, Sociologia, Comunicação Social, Serviço Social, Geografia e Letras: “Nesses tipos de profissão, o salário inicial é em torno de R$1.000. Para quem pagou universidade, isso é muito baixo”. Diferentemente das décadas de (19)80 e (19)90, quando o Brasil crescia pouco, todas as “engenharias”, atualmente, estão num momento favorável. Desde a Civil à de Petróleo, sendo considerável, também, a procura por profissionais da Engenharia Química: “São pro fissionais com forte demanda nos próximos dez anos. Com salários de três mil reais, para começar. As empresas vão às es colas e disputam esses profissionais”, informa Salvato.

O presidente da Sociedade Mineira de Engenharia (SME), Aílton Ricaldoni Lobo, que tem detectado o crescimento da demanda por engenheiros, acopla a escassez da mão de obra à baixa qualidade desses profissionais disponíveis no mercado: “Nos últimos quatro anos, a de manda por engenheiros cresceu abrupta mente”. Evitando a expressão “apagão de mão de obra”, mas reconhecendo o sinal do mercado como grave, informa que a SME elabora, em parceria com universidades, projetos para melhorar a qualidade e estimular a juventude a ingressar na Engenharia. Esse trabalho prevê também a criação de cursos de pós-graduação na área de energia que, de acordo com Aílton Ricaldoni, não tem profissionais preparados. O projeto começa em 2012 agregando grandes empresas e profissionais recém-formados, em atividade e com experiência: “A SME está atuando co mo catalisadora das empresas, profissionais e universidades para colocar o projeto em andamento”.

MAIS FACULDADES. O presidente da SME defende ainda o aumento do número de faculdades de Engenharia. “A oferta de cursos de Engenharia é menor e o apelo para outras profissões é grande”, pondera Aílton, para quem a Engenharia é a bola da vez,mas o Brasil forma mais advogados que o resto do mundo. Para ele, há um paradoxo no país: o lado sério do ensino superior, e o lado mercantilista das escolas que só querem faturar. “É preciso separar o joio do trigo”, defende o presidente da SME, que cobra do governo preocupação maior com o ensino fun damental e médio: “Boa formação é essencial. Quando o aluno chega à escola de En genharia, ele precisa ter conhecimento para lidar com toda aquela parafernália do curso”. Com a experiência de 40 anos como en genheiro eletricista, Aílton admite que o pro fissional de engenharia precisa ter certa dose de talento e o perfil talhado para a profissão: “No meu círculo de amizades, conheço vários casos de evasão da Engenharia. A pessoa passa no vestibular e não consegue acompanhar”, lamenta Aílton, que trabalhou no Centro Técnico Aeroespacial, de São José dos Campos, e depois na Cemig, em Belo Horizonte.

Não foi o caso do engenheiro civil Bernardo Gonçalves, 47, com 25 anos dedicados à profissão, que passou por muitos altos e baixos na carreira: “Quando fiz vestibular, não tive nenhum apoio da família, nem de amigos. Em 1982, ninguém acreditava em engenheiro. Tive que insistir muito na profissão”, lembra Bernardo, hoje engenheiro sênior da Direcional Engenharia. No mercado, um salário de engenheiro sênior, de acordo com Bernardo, que não revelou quanto ganha, varia de R$15 mil a R$25 mil: “Há cinco anos, o mercado não me oferecia remuneração e expectativa de estabilidade que me convencessem a ser um profissional de qualquer empresa”. Em 1992, trocou Belo Horizonte por Ribeirão Preto, porque não conseguia sobreviver na capital mineira. Em 2003, voltou. A partir de 2007, encontrou remuneração suficiente: “O boom imobiliário se sustenta por, no mínimo, mais dez anos”, disse, otimista. Sem pensar em aposentadoria, Bernardo conta que brinca com a turma que trabalha com ele, dizendo que engenheiro fica bom quando chega aos 40 anos de formado: “Busco engenheiro na faculdade como estagiário e trainee, a partir do quinto período da faculdade“.

A mesma sorte ou oportunidade não teve a fisioterapeuta Vívian Antunes Braga, 28: “Fiquei sete meses tentando trabalhar na área. Procurei me especializar ao máximo. Mas, para ganhar R$1.500, teria que trabalhar dia e noite, e também nos fins de semana, em clínicas e no atendimento domiciliar”, resumiu Vívian, sobre essa penosa realidade. Quando optou pela Fisioterapia, em 2002, lembra que todo mundo queria fazer os nove períodos da faculdade: “O mercado ficou saturado”, reclama Vívian, que começou a pagar mensalidades de R$800 e, no fim do curso, já eram R$1.500 mensais. “É mui ta frustração”, concluiu. Há quatro anos supervisora de vendas de uma empresa de material de construção, Vívian encontrou uma nova profissão: “Gerencio nove pessoas. Agora, eu me sinto remunerada e realizada”. Quem começa na área de vendas, diz ela, tem salário inicial de R$3.000 a R$3.500, mais a premiação; os ganhos chegam a R$4.500 para o profissional mais experiente. “Não indico fisiotera pia para ninguém”, ironiza Vívian.

 

 

FACULDADES DEMAIS. Outra área em alta é a de tecnologia, com cursos também na área de exatas, ou seja, que exigem muito es tudo do candidato. A diretora executiva do grupo Cotemig, Moema Belo, informa que Tecnologia da Informação (TI) e Engenharia são os cursos do momento. Mas, então, por que continuam existindo tantas faculdades de cursos desprestigiados no mercado? Quando fez vestibular, Fisioterapia era o curso da moda. Agora, Vívian Braga diz que o mercado não é tão bom assim. – Porque são cursos baratos – responde Moema. A estrutura necessária são apenas a sala de aula e os professores: “Os cursos de engenharia são estruturas caras, com laboratórios; mas as faculdades não querem investir”. Moema considera, por exemplo, que a Cotemig precisa investir muito na área de informática: “A gente tem que comprar, todo ano, cem computadores”. Também pesa a vontade do aluno. “Os cursos da área de exatas são cursos mais pesa dos, a pessoa tem que estudar muito, a exigência é máxima e existe uma evasão maior”. Numa das profissões mais requisitadas do momento – analista de sistemas -, em que se exige o curso superior de Ciência da Computação, ou de Sistemas de Informação, o salário inicial é de R$4.000: “As empresas buscam muito esse tipo de profissional nas faculdades. Existe muito aluno trabalhando na área, desde o terceiro período”, finaliza Moema.

Na Catho Online, uma das maiores empresas de recrutamento do país, as áreas de marketing digital, tecnologia e engenharia são as mais procuradas: “Existem poucos engenheiros qualificados. As empresas estão disputando esses profissionais a tapa”, diz a gerente Carolina Stilhano. Prova disso são as vagas disponíveis no site da Catho Online: na área de informática, no dia 26 de agosto, eram 20.333 mil empregos oferecidos; na de engenharia, 20.790 vagas; enquanto, na área jurídica, eram ofertadas 1.932 vagas. O diretor-presidente da Web Consult, empresa de inteligência digital, Leonardo Bortoletto, disse que precisa sempre recorrer a profissionais alocados em outras empresas.

O profissional tem que ser formado em Análise de Sistemas para desenvolver aplicativos. Bortoletto explica que a pessoa começa ganhando R$2.000 e pode chegar a R$12.000, após três anos de formado. O problema nessa área é a falta de visão do estudante em reconhecer a demanda e também a dificuldade das instituições de ensino superior: “As universidades não treinam marketing digital e as aulas das faculdades são muito superficiais”, critica Bortoletto, que comprou duas agências na área digital, por que não encontrou profissionais capacitados no mercado.

ATUALIZAÇÃO É A CHAVE. Se a engenharia e a tecnologia estão com os caminhos livres, a carreira jurídica está cheia de tropeços. Aristoteles Atheniense, 75, com vitoriosas e comemoradas bodas de ouro na Advocacia, explica que a tendência natural do profissional de Direito é o concurso para promotor, procurador, juiz e outros cargos nos órgãos estatais: “A pessoa sai da escola e os cinco primeiros anos de profissão são uma fase de incertezas, com salário inicial de R$1.500 a R$3.000. A cada fim de semestre, os formandos e formandas ficam ansiosos, porque sabem que o mercado não absorve isso tudo”, analisa Aristóteles, lembrando que, à época da sua formatura, a engenharia já estava em alta, por causa das obras de construção de Brasília. Mas, se a pessoa quiser insistir na carreira de advogado, Atheniense considera que o Direito Ambiental é o rumo certo, por que as grandes empresas estão precisando muito desse profissional, além de especialistas em Direito Tributário. “Direito também de pende da qualidade do advogado”, disse Atheniense, que estuda todos os dias e sofreu muita humilhação no início da carreira: “Vencerão aqueles que forem capazes de atualização permanente”, diz Aristoteles que “bate” ponto, todos os dias, às 7 horas, no seu requisitado escritório.

A Medicina, disputadíssima – na UFMG são 54 candidatos por vaga -, com mais de600 cursos no país, ainda tem fôlego no mercado. O coordenador de economia do Ibmec-MG, Márcio Salvato, acredita que medicina vai continuar com muita demanda e salários elevados. Mas com um crescente desafio: “As vagas de médico são para o interior do país, onde prefeituras promovem concursos e oferecem salários de R$10 mil iniciais para os aprovados”.

 

 

NOVAS PROFISSÕES. O diretor geral da faculdade IBS/Fundação Getúlio Vargas (FGV), Kleber Câmara, diz que as profissões ligadas à gestão esportiva, ao comércio digital (no caso, marketing digital), e às áreas técnicas, como Engenharia de Produção e Ciência da Computação, estão em alta no momento. Meio ambiente e recursos naturais também estão bastante valorizados. “Já os cursos de licenciatura, de uma maneira geral, estão em baixa. Isso porque eles formam, essencialmente, profissionais para a área de ensino, que é muito pouco valorizada. A pouca atenção que vem sendo dada ao magistério, acredito, é a principal razão para essa baixa da profissão”.

Kleber Câmara explica que as profissões que têm vagas no mercado, mas ninguém quer, são aquelas ligadas diretamente à produção; ou de baixo valor agregado, que tendem a ser substituídas por máquinas ou outros processos produtivos. Para ele, as pessoas não se sentem motivadas a investir em profissões cuja tendência é o desaparecimento: “Entre essas profissões, podemos citar os bancários, dentro do modelo tradicional, e os empregados domésticos, além dos operários da construção civil. Com isso, criam-se alguns problemas, como, por exemplo, a alta valorização dos profissionais ligados a essas áreas”.

Para Câmara, escolas tradicionais, como as de Advocacia, Jornalismo e Medicina, tendem a formar muitos profissionais e, com isso, o salário de entrada no mercado é baixo. Além disso, o custo de formação de alguns desses estudantes, após a graduação, é alto para as empresas contratantes: “Por esse motivo, paga-se menos no momento da contratação, pois se corre o risco de perder esse funcionário para outra empresa; ou, até mesmo, de ele optar por ser autônomo, após tantos investimentos na sua formação”.

EDUCAÇÃO, UM NEGÓCIO. Há 20 anos, o Brasil não contava com tamanha oferta de instituições de ensino superior. Para Kleber, a educação virou um negócio industrializado: “Na realidade, as escolas oferecem muito pouco aos seus alunos, que ganham, praticamente, só um pedaço de  papel chamado diploma”, critica Câmara. Portanto, cursos, que demandam investimentos em laboratórios e outras tecnologias, tendem a ser prejudicados nessas escolas.

A consultora de carreira e sócia diretora da Véli Soluções em RH, Lizete Araújo, considera que, se o critério de escolha de uma profissão se pautar pelo caminho de menor risco e maior retorno financeiro, é natural que essas escolhas passem pelas áreas de tecnologia, engenharia e informações; e que estimulem a pesquisa e inovação, co mo cursos de biotecnologia, tecnologia da informação, petróleo, gás e informática: “O quadro nos aponta que as oportunidades se concentrarão em empresas recém-criadas para atender a novas demandas, e naquelas que investem em inovação. O jovem, portanto,ao fazer a sua escolha, terá que ter consciência de estar preparado para correr riscos e ter a ousadia para enfrentar mercados menos conservadores”. As profissões que serão mais valorizadas, segundo a opinião de Lizete Araújo, são: administrador de comunidades virtuais (em função do volume e da velocidade de produção de conhecimento e informação); engenharias de rede; segurança na internet; consultores de carreira; gestores de empresas do terceiro setor; especialistas em meio ambiente, em engenharia genética, em ética científica e em gastronomia (uso inteligente do alimento); geriatria; profissões ligadas ao lazer (que promovam melhor qualidade de vida), e gestor de marcas.