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Incitação ao ódio

Os recentes pronunciamentos do presidente Jair Bolsonaro, atribuindo à OAB responsabilidade pelo desfecho insatisfatório do processo criminal instaurado quando da agressão à faca de que foi vítima, confirma o seu despreparo para o exercício da Suprema Magistratura da Nação.

Se no início de seu mandato algumas de suas propostas estarrecedoras podiam ser toleradas, agora, decorridos sete meses de sua investidura, o que assistimos é um obstinado e diário ataque ao Estado de Direito, com que exalta os crimes cometidos ao longo da ditadura militar.

Em face da avalanche do obscurantismo que tende a tomar conta do nosso País, é irrelevante indagar se a fala presidencial decorre de sua maneira de ser ou se constitui um ardil destinado a angariar prestígio junto à população.   

Na sublevação que incita há uma visível parcela de ódio, que se converteu em combustível de sua preferência no ataque aos seus adversários. Ainda que a política possa gerar antagonismos, ela não prescinde de um limite às opiniões adversas, o que se torna mais grave quando a agressão atinge aos familiares do contendor ao invés de se restringir a sua animosidade na pessoa do opositor.

Em sua precipitada manifestação, Bolsonaro envolveu a figura do pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, afirmando que este teria sido trucidado por seus próprios companheiros como ativista revolucionário que era.

As suas assertivas, pela gravidade que encerram, geraram indignação nos mais diversos setores da opinião pública. Fosse pelo suposto acumpliciamento da OAB quanto à tentativa de homicídio que o atingiu; fosse pela frivolidade da versão apresentada em relação ao desaparecimento do jovem estudante Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, em fevereiro de 1974.

Felipe Santa Cruz, ao replicar a insidiosa denúncia, reafirmou jamais haver contribuído para a frustração das investigações realizadas. Limitou-se a resguardar o sigilo profissional do advogado que assumiu a defesa do agressor, conforme estabelece a Lei 8.906/94. Adélio Bispo veio a ser declarado inimputável por se tratar de deficiente mental, conforme apurou a perícia a que foi submetido.

De acordo com o que ficou consignado no livro de memórias do ex-delegado do DOI-Codi, Cláudio Guerra, uma vez sacrificado, Fernando Augusto teve o corpo incinerado na usina Cambahyba, em Campos, no estado do Rio de Janeiro.

Segundo o jurista Miguel Reale Jr., ex-ministro da Justiça e que chegou a presidir a Comissão da Verdade, Bolsonaro “tem de prestar contas das suas afirmações à Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, órgão vinculado ao atual Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos”. Cabe-lhe, pois, fornecer àquele órgão “os elementos que ele conhece sobre o desaparecimento do pai do presidente da Ordem. Ele deve fazer isso para a responsabilização do Estado, e não para se vangloriar ou antagonizar com um inimigo político”.

Essa mesma comissão reconheceu que Fernando morreu em 1974, “em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”, diz o documento.

Não constitui novidade o desapreço de Bolsonaro às conclusões da Comissão da Verdade sobre as atrocidades cometidas nos porões da ditadura militar. Basta rever a justificativa que conferiu ao seu voto na sessão de impeachment de Dilma Rousseff, exaltando a figura do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, erigindo-o publicamente em seu ícone e inspirador.

As invectivas que propagou em relação ao sumiço do militante esquerdista ultrapassam os limites do bom senso. Importam numa demonstração cabal de que o antigo candidato – agora presidente – não conseguiu aspirar o ar puro da democracia desde que se instalou no Palácio da Alvorada.

O seu autoritarismo está impregnado de visões desumanas que denotam a sua incapacidade no trato dos grandes problemas nacionais. A esta altura, com baixo índice de aprovação, inferior ao obtido pelos seus antecessores, o presidente passou a gerar apreensões, inclusive aos seus aliados, quanto ao que estaria reservado ao seu governo no futuro.

O respeito deve ser o requisito mínimo que um mandatário do povo brasileiro possa ter por aqueles que o elegeram. Assim, a persistir nesse comportamento insano, seremos levados a admitir que Bolsonaro, insuflando o ódio, sente-se bem em ser malquisto. Essa inusitada opção nos leva a admitir que ele próprio tornou-se a ameaça mais grave ao seu governo, contribuindo para que ainda venha a ser enquadrado na Lei 1079/50 (art. 4º, IV).

Aristoteles Atheniense

Presidente da Seccional mineira da OAB por dois períodos (1979 a 1983); Secretário Geral do Conselho Federal (1993/1995); Vice-Presidente Nacional da OAB

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