Artigo do advogado Aristoteles Atheniense publicado na revista Matéria Prima, edição agosto.
Assim que o papa é eleito, por um Colégio de Cardeais, na assembleia denominada Conclave, ele opta por um nome, segundo a tradição cristã.
Jesus mudou o nome do pescador Simão, ao torná-lo seu representante na Terra, ao afirmar: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja”. Desde então, Simão tornou-se Pedro e o primeiro papa. E todos os 266 papas eleitos depois dele, desde então adotaram um nome de sua preferência.
O cardeal Jorge Mario Bergoglio contou, num dos seus pronunciamentos, que, prestes a ser escolhido papa, o cardeal brasileiro Cláudio Hummes, ao seu lado, lhe sugeriu que adotasse o nome de Francisco, recomendando-lhe que não se esquecesse dos pobres.
Francisco foi, ainda, o nome de outros santos: São Francisco Xavier (1506-1552), cofundador da Companhia de Jesus, que ficou conhecido como “o apóstolo do Oriente”; São Francisco de Sales (1567-1622), doutor e patrono da família salesiana.
Como a aceitação de Francisco pudesse gerar dúvida quanto à sua identidade com os demais santos que receberam essa designação, o cardeal Bergoglio cuidou logo de propalar sua veneração pelo Santo de Assis (1182-1226), a quem desejava reverenciar.
Os biógrafos de Francisco de Assis já haviam descoberto que o seu nome verdadeiro não era aquele que o imortalizou. E, sim, Giovanni di Pietro di Bernardone.
Nasceu em 26 de novembro de 1182, quando o seu pai, próspero comerciante, Pietro di Bernardone di Moricani, estava em viagem ao exterior. Mesmo com a ausência do pai, alguns dias depois, a mãe, Pica Bourlemont, o levou a uma igreja construída em louvor do mártir Rufino, em Assis, onde foi batizado com o nome de Giovanni.
Segundo o escritor católico G. K. Chesterton, há uma versão razoável para que o menino Giovanni tivesse seu nome mudado para Francisco. Quando criança, seu pai o levou à França. Quando voltaram à Itália, encantado com a poesia dos trovadores e de seu povo, Pietro passou a tratar o filho como “Francesco”, que, em italiano significa “francês”.
Há, também, um registro de que Pietro passou a chamá-lo Francesco como uma homenagem à esposa, que era de origem francesa. Seu verdadeiro nome era Joana de Bourlemont, nascida na região da Picardia, norte da França. Daí seu apelido de Pica de Bourlemont.
A mocidade de Francesco foi ponteada de peripécias. Sempre usou roupas da moda, participando de festanças e noitadas, ainda que todos lhe reconhecessem um temperamento fagueiro.
Alistou-se no exército como soldado, na guerra que Assis travara contra Peruggia. Naqueles tempos, existiam as cidades-estados, independentes, autônomas e muito belicosas. Foi capturado e mantido preso durante um ano, à espera de resgate. Ao recobrar a liberdade, sua visão ficara afetada, o que ocorreu também com o seu aparelho digestivo.
Em 1205, retornou às armas, incorporando-se ao exército papal contra Frederico II da Germânia. Nesse conflito, ouviu uma voz que lhe ordenara: “Volta para a tua terra e te será dito o que haverás de fazer”.
Como a recomendação tornou-se pública, o jovem combatente passou a ser alvo de chacotas. Os seus companheiros o elegeram como “rei da juventude”, num festejo folclórico tradicional.
Certo dia, percebeu a aproximação dos leprosos, por causa do toque dos sinos, que anunciava a presença repelente dos hansenianos. Os sinos eram tocados para impedir a eventual contaminação com os proscritos pela sociedade.
Ao deparar com um lazarento, coberto de trapos, beijou-lhe o rosto deformado pela moléstia, cobrindo-o com o seu próprio manto. Consta que esse ato importou na sua conversão, como lembrou, recentemente, o atual papa Francisco, na visita ao hospital São Francisco de Assis, no Rio de Janeiro.
O pontífice rememorou o episódio, enfatizando: “Aquele irmão sofredor foi o mediador da luz”, porque, “em cada irmão e irmã em dificuldade, nós abraçamos a carne sofredora de Cristo”.
Mais tarde, Francisco dedicou-se à reconstrução de igrejas em ruínas, valendo-se de seus recursos pessoais. Essa conduta gerou insatisfação de seu pai, que o manteve acorrentado no porão de sua casa.
Tomou, então, a iniciativa de criar as Ordens, que ficaram conhecidas como de São Francisco. Indo a Roma obter a aprovação de suas Regras, foi recusado pelo papa Inocêncio III. Este, diante de seus trajes pobres e sujos, negou-se a atendê-lo, sugerindo-lhe que fosse pregar para os porcos.
Algum tempo depois, conheceu uma jovem de 17 anos, Chiara d’ Offreducci, de uma das famílias mais nobres de Assis.
Chiara – Clara, em português – ao deparar a penúria evangélica de Francisco, foi tomada de uma irresistível tendência religiosa de segui-lo. Partiu dela a iniciativa da formação da Segunda Ordem Franciscana, ou das Clarissas, que hoje conta com cerca de milhares de mosteiros em todos os continentes.
Dessa Ordem, surgiram rainhas e santas, como Inês de Praga, Isabel de Portugal e Isabel da Hungria.
No pôr-do-sol de 3 de outubro de 1226, após ler algumas passagens da Bíblia, o arauto do Cristianismo expirou aos 44 anos, rodeado de seus fiéis companheiros.
Há quem sustente que, no momento do seu decesso, um bando de aves pousou no telhado, gorjeando de saudade e deplorando o seu fim.
O hábito de São Francisco, todo remendado de trapos, permanece na Basílica de Assis, que guarda as suas relíquias e abriga o seu túmulo definitivo. A basílica é uma das igrejas mais visitada por católicos e turistas de todo o mundo.
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