18/04/2011, por Atheniense Advogados

Julgamento do TJRS renova polêmica quanto ao fim da separação após a EC 66/2010

Em um julgamento, ocorrido em janeiro do corrente, a 8.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul atraiu a atenção de toda a comunidade jurídica brasileira, especialmente daqueles que se dedicam ao estudo do Direito das Famílias.

A íntegra do acórdão já circula pela internet, muito embora não tenhamos conseguido localizá-lo em pesquisa empreendida diretamente no sítio eletrônico do TJRS.

De toda maneira, disponibilizamos (clique aqui) a versão encontrada em diversos sites jurídicos, confiantes de que se trate da versão original.

Quanto à celeridade da publicação do acórdão tributamos à sua repercussão no mundo jurídico, notadamente diante da quase uníssona corrente doutrinária, a qual defende justamente o oposto do que restou decidido pela 8.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça gaúcho.

O recurso objeto do julgamento foi interposto contra sentença que indeferiu a petição inicial de pedido de conversão de separação em divórcio, por ausência dos requisitos temporais contidos no art. 1.580 do CCB. Conforme se depreende do relatório do acórdão, nas razões do recurso sustentou a parte recorrente, basicamente, o seguinte:

“(a) se trata de ação de conversão de separação judicial em divórcio com base na Emenda Constitucional nº 66/2010 que alterou §6.º do art. 226 da CF; (b) a sentença que decretou a separação judicial transitou em julgado em 22 de junho de 2010 e a ação foi proposta em 21 de setembro; (c) é evidente que a alteração constitucional eliminou o prazo para o divórcio que poderá ser requerido de forma direta, sem o lapso mínimo de um ano a contar da separação judicial ou de dois anos no caso de separação de fato; (d) tendo havido a extinção do processo sem resolução de mérito ao indeferir a petição inicial, pode o Tribunal julgar desde logo a lide, nos termos do art. 515, § 3.º do CPC, vez que não há necessidade de produção de outras provas. Requerem seja dado provimento ao recurso para julgar a lide, decretando o divórcio com expedição do competente mandado ao ofício do Registro Civil (fls. 22/24)”

Ocorre que não obstante o vigor das teses suscitadas no recurso, o entendimento unânime da Turma Julgadora tomou rumo diametralmente contrário.

O voto condutor, da lavra do Desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS, é de enorme perspicácia e densidade jurídica, tratando-se de verdadeira lição de Direito e hermenêutica, mormente suas abordagens sobre a eficácia das normas constitucionais, sua extensão e vínculos com a legislação infraconstitucional.

Em termos objetivos, entendeu a Turma Julgadora que a alteração do §6.º do art. 226 do Constituição Federal, por força da EC n.º 66/2010 tem aplicação mediata e depende de modificação da legislação infraconstitucional para surtir os efeitos constantes da exposição de motivos do projeto, qual seja, a extirpação de qualquer requisito temporal e/ou condição para a decretação do divórcio direito.

Já naquela oportunidade alertávamos para o fato de não ter o novo dispositivo constitucional revogado expressamente as normas infraconstitucionais que tratam da matéria e, ainda, de não serem estas incompatíveis com aquelas.
Também no mesmo artigo, invocamos a regra contida no §1.º, do art. 2.º da LICC – Lei de Introdução ao Código Civil, a qual reza o seguinte:

“A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. A decisão do TJRS, apesar de contrária à corrente doutrinária predominante, parece-nos, tecnicamente, mais acertada.

Todavia, tal decisão merece muita atenção, não só dos operadores do Direito das Famílias, mas de todos os cidadãos brasileiros, na medida em que revela a existência de entendimentos totalmente opostos quanto à aplicação de institutos jurídicos dos mais significativos, posto que dirimentes da vida socioafetiva das pessoas.

É preciso que a comunidade jurídica se movimente depressa no sentido de obter, para ontem, a adequação da legislação federal (material e processual) à nova ordem constitucional, sob pena do surgimento de decisões judiciais conflitantes, especialmente entre os Tribunais Estaduais.

Imaginem só o tratamento diferenciado: em Minas Gerais os casais podem se divorciar diretamente, mesmo sem prévia separação judicial ou administrativa e, ainda, sem prévia separação de fato. Já no Rio Grande do Sul, os casais precisam separar-se previamente, aguardar um ano do trânsito em julgado da sentença ou, então, permanecer separado de fato por mais de dois anos.

A segurança jurídica, em se tratando de separação e divórcio, está forte e gravemente ameaçada, cabendo às autoridades legislativas, aos operadores do Direito e àqueles que pensaram e articularam a redação EC n.º 66/2010, atuação incontinente para evitar, como mencionado no acórdão gaúcho, uma “epidemia de nulidades e carências de ação em milhares deles”.


SÍLVIO Augusto TARABAL Coutinho

Advogado. Vice-Presidente do IBDFAM/MG
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