Artigo publicado na coluna “Direito sem Papel” no portal Consultor Jurídico
A partir de desta quinta-feira (1º/3), entra em vigor a nova e única versão da política de privacidade para os serviços do Google. A atual redação tem como destaque o fato de promover a unificação de cerca de 60 políticas de privacidade diferentes que passam a ter tratamento uniforme quanto às regras de coleta, tratamento e compartilhamento de dados pessoais dos usuários que utilizam os serviços da empresa.
Sob o ponto de vista do Google, esta medida será um facilitador para suas ações de marketing online, responsável por sua maior fonte de renda, facilitando o intercâmbio de dados coletados em qualquer de um dos seus serviços que passarão a ser compartilhados sem qualquer discriminação ou filtragem com os demais.
Estudo da ONG YouGov for Big Brother Watch (que monitora a transparência das empresas e defende a privacidade dos usuários) apontou que apenas 12% dos usuários britânicos do Google se deram ao trabalho de ler o novo documento. Outros 47% afirmaram desconhecer as mudanças que estão sendo feitas. É recomendável que as pessoas leiam a íntegra e tenham conhecimento da nova política de privacidade do Google.
De fato, o Google não está mudando de postura agora. Sempre foi assim. Tudo que ele fazia continuará sendo feito. A mudança está na unificação das regras que sempre existiram. Entretanto, sob o ponto de vista do usuário haverá um maior risco quanto à possibilidade do cruzamento de dados inseridos por este e daí revelar um perfil extremamente detalhado contendo as preferências e interesses dos seus usuários.
Além disso, é bom ter em mente que não se trata apenas de um contrato de adesão, mas de uma política de privacidade que não comporta qualquer transigência a favor do usuário, a não ser deixar de usar os serviços do Google. Causa estranheza também o fato de que a coleta de dados pessoais não identificados poderão ser agregados e compartilhados com outros parceiros tais como agências de marketing digital, editores, dentre outros. Com isso será possível repassar informações relativas ao histórico de pesquisa, preferências sexuais, interesses pessoais, assuntos relativos à saúde e outras informações relativas à esfera de privacidade dos usuários, desde que os mesmos tenham espontaneamente cedido tais dados para o Google por meio de seus serviços.
A vigência desta política entra em vigor em nosso país no momento em que a legislação brasileira ainda encontra-se pouco detalhada sobre os limites da coleta, tratamento e compartilhamento de dados pessoais na internet. O único dispositivo que zela pela privacidade dos dados restringe-se ao artigo 5° inciso 10 da Constituição Federal. Vinte e quatro anos depois, convivemos em um cenário onde os dados pessoais são indiscutivelmente uma mina de ouro a favor das empresas que dominam a infraestrutura da internet. O Estado brasileiro é refém deste particular, porque ainda não foi capaz de aprovar uma lei que controla o exercício dessa atividade.
O prenúncio de mudança neste cenário poderá vir ainda em um futuro remoto com a aprovação do Marco Civil da Internet, embora a meu ver, a atual redação seja extremamente protetiva ao interesse das empresas que dominam a infraestrutura da internet em detrimento das garantias dos direitos de privacidade do cidadão. Até que este cenário seja efetivamente modificado com a vigência de uma lei que de fato possa limitar as atividades dessas empresas e proteger o cidadão quanto a eventuais abusos, conviveremos com o slogan do tipo “você pode confiar no Google” ou “não seja mal” embora saibamos que a efetividade deste discurso não transmita uma total relação de confiança.
No meu ponto de vista, a iniciativa do presidente Barack Obama ao criar o projeto de proteção de dados de caráter pessoal na internet – que defenderá uma série de interesses dos usuários, seguindo o modelo da Declaração dos Direitos dos Cidadãos do país – é um despertar importante da sociedade, mas, ainda sim, somente um projeto. É fundamental que as empresas tenham compromisso da transparência quanto à coleta, tratamento e compartilhamento de dados, pois há risco de abusos que nem sempre serão fáceis de serem comprovados.
Afinal de contas, até que ponto o Estado brasileiro vai deixar de exercer sua soberania e exercer um controle sobre as atividades das empresas que nos controlam do mundo digital?
ALEXANDRE Rodrigues ATHENIENSE
Advogado especialista em Direito de Tecnologia da Informação
alexandre@atheniense.com.br | @atheniense
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