O abusivo direito de defesa
Em recente entrevista, o diretor financeiro da Vale, Luciano Siani, informou que a diretoria da mineradora não tivera conhecimento dos documentos internos de segurança, acrescentando que a barragem que rompeu em Brumadinho estava em zona de atenção. Segundo ele, é discutível se detalhes técnicos devam chegar ao nível da diretoria.
Isto significa, em outras palavras, que a empresa está propensa a enfrentar na Justiça as ações que vier a responder adotando esta versão, ou seja, a mesma linha protelatória posta em prática no desastre de Mariana.
O ministro Dias Toffoli, presidente do STF, recomendou ao diretor jurídico da Vale, Alexandre D’Ambrósio, que evite a judicialização de pedidos reparatórios pelas vítimas da tragédia, favorecendo aos prejudicados, em menor tempo, o atendimento de suas pretensões pela via consensual. A iniciativa de Toffoli traz no seu bojo um ineditismo que, há muito, deveria ter sido posto em prática.
No Brasil, em todo pleito judicial, só é certo o dia de seu início. Quando a causa será solucionada é imprevisível. Trata-se de uma incógnita. Mormente se a ação é movida contra o Poder Público ou uma empresa economicamente forte, que se defendem como litigantes de má-fé, com o evidente propósito de levar o autor à exaustão. É o que ocorre frequentemente, mediante um acordo lesivo, com a parte fraca recebendo parcela irrisória, aquém do que realmente lhe era devido.
Inobstante esse risco, a composição havida é levada à chancela do juiz da demanda. Daí a necessidade do Ministério Público participar dessa fase do processo.
A Vale contratou para defendê-la neste episódio um dos mais talentosos advogados brasileiros: Sérgio Bermudes. Do seu escritório participa a advogada Guiomar Mendes, tendo o atual ministro Gustavo Bebianno, secretário-geral da Presidência da República, integrado o seu quadro de competentes profissionais.
Bermudes, com a sua larga experiência profissional, muito poderá contribuir para que vingue a sugestão de Dias Toffoli, evitando que a versão do diretor Luciano Siani sirva de refrão em suas defesas. Ninguém de razoável senso aceitará o engodo de que a direção da empresa não sabia do que ocorria na área técnica, como se esta fosse um setor isolado, que não devia satisfação aos superiores.
Merece aplausos a iniciativa da criação de uma CPI no Senado Federal, que contou com a eficiência do novo senador mineiro Carlos Viana. A leitura da proposta de sua instauração já ocorreu naquela Casa, devendo passar a atuar, o quanto antes.
O seu rigor não deve ficar limitado a esta fase dolorosa, quando mais de uma centena de desaparecidos ainda não foi localizada. A catástrofe do Córrego do Feijão exige uma sindicância efetiva, enérgica e oportuna, seja no Judiciário, como no Legislativo, tanto no plano federal, como estadual.
A proposta de Dias Toffoli admitiu, implicitamente, a existência de elementos suficientes para a inculpação da mineradora, resultante de uma relação de causa e efeito entre o pavoroso desastre e suas consequências materiais.
A pretensão das vítimas nos remete à advertência de Rui Barbosa: “A Justiça não tem liberdade de escolha, em se tratando de pessoas de peso diferente. A sua autoridade sustenta-se pela moralidade de suas decisões, devendo atuar com mão firme para repressão do abuso e a manutenção do Direito”.