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O mensalão e seu inesperado desfecho

Vem ganhando realce, nas últimas semanas, a possibilidade da decisão do Supremo Tribunal Federal, na Ação Penal 470, ser revista pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, inclusive com o reconhecimento da prescrição de todos os crimes apontados na denúncia do Ministério Público Federal.

Esta hipótese, mesmo sem precedente, foi suscitada pelo ministro Celso de Mello na primeira sessão de julgamento, provocado pela intervenção do advogado Márcio Thomaz Bastos. Naquela oportunidade, enfatizou-se que a jurisprudência do Tribunal Interamericano assegura o direito ao duplo grau de jurisdição para todos os réus, incluindo os que gozam de foro especial por prerrogativa de função.

Por força da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º, II, h), todo réu condenado por crime deverá ser julgado em relação aos fatos e provas por duas vezes. A prevalecer o critério adotado pelo STF, os que estão sendo julgados apenas por aquele Colegiado não estariam amparados pela norma internacional.

Sucede que o Brasil, desde 1998, assimilou a jurisprudência da Corte Interamericana. Assim, o nosso país não poderá descumprir aquela exigência, nem incorrer no mesmo erro cometido pela Venezuela, que foi obrigada a ajustar seu direito interno às regras da Convenção.

Conforme realçou o jurista Luiz Flávio Gomes, em estudo de Direito Penal comparado, há, ainda, outro argumento em prol da tese do duplo grau de jurisdição. Basta lembrar que no rol dos 118 réus que figuram no processo do mensalão, 38 estão sendo julgados pela Suprema Corte e outros respondem a processos em várias comarcas e juízos do país.

Portanto, enquanto esses 80 desfrutarão da oportunidade de ter as suas penas reapreciadas em instância superior, o mesmo não sucederá aos que originariamente forem condenados pelo STF, ainda que não fizessem jus ao foro especial.

Em face dessas situações díspares, se houver recurso à Corte Interamericana, se for obtida a suspensão imediata das penas privativas de liberdade imposta pelo STF, os condenados poderão permanecer em liberdade, caso obtenham medida cautelar, suspendendo a execução da sanção imposta.

A despeito de tudo de grave que o episódio do mensalão encerra, envolvendo cometimento de atos ilícitos de diferentes matizes, é razoável a dúvida questionada quanto à imediata punição dos infratores, assim que o processo atingir o seu término, diante das implicações jurídicas aqui mencionadas.

Convenhamos que a punição de pessoas reconhecidamente corruptas, que infestam tanto a administração pública como o Congresso Nacional, não significará o fim dessa prática se também não for extinto o mecanismo que favorece a corrupção.

Se os denunciados forem alcançados pela extinção da punibilidade ditada pela Corte Interamericana, o desempenho do STF gerará uma frustração coletiva. Importará, fatalmente, na descrença dos que aguardam o desfecho do processo, na suposição de que o que viesse a ser decidido no Brasil constituiria a última palavra.

Resta aguardar, com justificado temor e desconfiança, a solução final.

 

Atheniense

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