Defender a Constituição Federal, a ordem jurídica do estado democrático de direito, os direitos humanos e a justiça social; pugnar pela boa aplicação das leis e pelo aperfeiçoamento das instituições jurídicas, além de zelar pelas prerrogativas e pela disciplina da classe dos advogados: são essas as finalidades estabelecidas na legislação para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Na próxima quarta-feira (18), a OAB comemora 90 anos de existência. Criada em 18 de novembro de 1930 pelo Decreto 19.408, no primeiro governo do presidente Getúlio Vargas, a entidade é estruturada de modo federativo, segundo o artigo 44 do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994).
De acordo com o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, a OAB é um serviço público independente, que não se sujeita à administração pública direta ou indireta, nem se equipara às autarquias especiais e aos demais conselhos de classe (REsp 1.423.825).
“A Constituição da República de 1988, ao preceituar ser o advogado indispensável à administração da justiça (artigo 133), reconheceu a função social da advocacia, manifestada em seu papel fundamental de contribuição e fortalecimento do estado democrático de direito, porquanto garantidora dos direitos e liberdades públicas previstos em todo o ordenamento jurídico”, observou.
Em inúmeros julgamentos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já debateu a atuação da entidade, o campo de possibilidades de sua intervenção processual, seu papel no controle do exercício profissional e as prerrogativas dos advogados.
Para o STJ, a OAB possui natureza jurídica de autarquia de regime especial, prestadora de serviço público de natureza indireta, na medida em que fiscaliza profissão indispensável à administração da justiça.
Por isso, no julgamento do REsp 614.678, a Primeira Turma decidiu queas anuidades da OAB têm característica de contribuição parafiscal, de maneira que as ações para cobrá-las devem ser apreciadas pela Justiça Federal (artigo 109, I, da Constituição Federal) e seguir os procedimentos previstos na Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/1980).
A jurisprudência do STJ estabelece também que, apesar de a OAB possuir natureza jurídica especialíssima, por ser um conselho de classe está sujeita ao disposto no artigo 8º da Lei 12.514/2011.
No julgamento do REsp 1.783.533, a ministra Assusete Magalhães destacou que, nas hipóteses que envolvem a cobrança de anuidades de conselhos de classe, a lei determina o não ajuizamento de execução quando a dívida for inferior a quatro vezes o valor cobrado anualmente da pessoa física ou jurídica inadimplente.
A decisão da turma, unânime, manteve o acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) que deu provimento à apelação do profissional e extinguiu a execução fiscal da OAB.
A legitimidade da OAB para propor ação civil pública não está sujeita à exigência da pertinência temática no tocante à jurisdição coletiva, podendo a entidade atuar genericamente em defesa de interesses supraindividuais.
Esse foi o entendimento da Quarta Turma ao julgar o REsp 1.423.825, no qual se discutiu o ajuizamento, pela OAB do Ceará, de uma ação civil pública contra instituições bancárias, na qual a entidade dos advogados sustentou que o sistema de atendimento adotado pelas empresas, ao reduzir o número de caixas e agências para maximizar lucros, acarreta o aumento do tempo de espera dos clientes nas filas.
“Em razão de sua finalidade constitucional específica, da relevância dos bens jurídicos tutelados e do manifesto viés protetivo de interesse social, penso que a legitimidade ativa da OAB não está sujeita à exigência da pertinência temática no tocante à jurisdição coletiva, devendo-lhe ser reconhecida aptidão genérica para atuar em prol desses interesses supraindividuais”, afirmou o relator, ministro Luis Felipe Salomão.
O ministro citou o artigo 105 do Regulamento Geral do Estatuto da OAB, o qual estabelece que compete ao conselho seccional ajuizar ação civil pública para a defesa de interesses difusos de caráter geral, coletivos e individuais homogêneos.
“É prerrogativa da entidade proteger os direitos fundamentais de toda a coletividade, defender a ordem jurídica e velar pelos direitos difusos de expressão social”, afirmou o ministro, lembrando que nisso se enquadram os direitos dos consumidores – independentemente de serem ou não advogados.
Os conselhos seccionais da OAB podem ajuizar as ações previstas – inclusive as ações civis públicas – no artigo 54, XIV, da Lei 8.906/1994, em relação aos temas que afetem a sua esfera local, restringidos territorialmente pelo artigo 45, parágrafo 2º.
A conclusão é da Segunda Turma, que, no julgamento do REsp 1.351.760, entendeu que a OAB possui legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública de defesa do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural.
O relator, ministro Humberto Martins, esclareceu que, segundo a doutrina, a competência da OAB para ajuizar ações civis públicas é uma espécie de adensamento da cobertura da vida social pelo direito, o que amplia a proteção da sociedade, como preceituado pela Constituição Federal.
“Não é cabível a limitação do ajuizamento das ações civis públicas pela OAB em razão de pertinência temática, pelo que se interpreta das suas finalidades, fixadas no artigo 44 da Lei 8.906/1994, e, em especial, no seu inciso I”, concluiu Martins.
Da mesma forma entendeu o ministro Og Fernandes ao apreciar o REsp 1.381.656: “A legitimidade ativa da OAB não está limitada em razão da pertinência temática, porquanto, entre suas atribuições previstas no artigo44, I, da Lei 8.906/1994 está a defesa, inclusive em juízo, da Constituição Federal, do estado de direito e da justiça social, e, por conseguinte, dos direitos coletivos e difusos”.
Em outro caso envolvendo legitimidade, o STJ entendeu que a OAB não era parte legítima para propor ação contra políticos acusados no “mensalão do DEM”. A decisão foi dada pelo ministro Herman Benjamin, em 2015.
No julgamento do AREsp 568.585, o ministro manteve decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que extinguiu a ação civil pública por improbidade administrativa proposta pelo Conselho Federal da OAB e pela seccional da entidade no Distrito Federal contra políticos supostamente envolvidos em desvio de recursos públicos.
Aplicando entendimento do próprio STJ, o TRF1 concluiu que a OAB não tem legitimidade para a propositura da demanda, por não envolver prerrogativas dos advogados nem disposições do Estatuto da Advocacia.
Ao negar o agravo interposto pela entidade, o ministro Herman Benjamin ressaltou que o acórdão do TRF1 está em sintonia com o atual entendimento do STJ.
“A demanda não trata das prerrogativas dos advogados, nem das ‘disposições ou fins’ do Estatuto da Advocacia (artigo 49, caput, da Lei 8.906/1994); portanto, não têm o Conselho Federal da OAB e a seccional no Distrito Federal legitimidade para propor ação de improbidade administrativa”, declarou o ministro.
No início de 2020, o STJ negou liminar pedida pela seccional da OAB em Minas Gerais para ingressar como assistente da defesa em ação penal ajuizada contra um advogado acusado de estelionato.
De acordo com o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, há no tribunal o entendimento de que a condição de advogado ostentada por uma das partes, por si só, não legitima a OAB para a assistência.
No recurso em mandado de segurança apresentado ao STJ (RMS 63.393), a OAB mineira afirmou que o pedido teria amparo no parágrafo único do artigo 49 do Estatuto da Advocacia, o qual constitui norma especial em relação à regra do artigo 268 do Código de Processo Penal.
“Seguindo raciocínio semelhante que conjuga a falta de previsão legal para tanto com a incompatibilidade do rito, esta corte tem indeferido pedidos de ingresso da OAB em habeas corpus, seja como assistente, seja como amicus curiae“, destacou o ministro.
Para Reynaldo Soares da Fonseca, isso reforça o entendimento de que a legitimidade expressa no parágrafo único do artigo 49 do Estatuto da Advocacia deve ser interpretada em congruência com outras leis processuais, não prevalecendo unicamente em razão de sua especialidade.
Em outro julgado envolvendo ação penal, a Quinta Turma entendeu que, ao advogado inscrito nos quadros da OAB e comprovadamente em atividade, é garantido o cumprimento de prisão cautelar em sala de estado maior ou, na sua inexistência, em prisão domiciliar, até o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória, nos termos do artigo 7º, V, da Lei 8.906/1994 (HC 565.280)
Apesar disso, o colegiado negou o pedido de prisão domiciliar para o advogado, por existir para ele cela separada dos demais detentos, com acesso a toda a área comum do presídio, o que atendia ao Estatuto da OAB.
No julgamento do REsp 1.656.322, sob o rito dos recursos repetitivos, a Terceira Seção modificou a jurisprudência do tribunal e decidiu não ser obrigatório observar os valores da tabela do conselho seccional da OAB para fixar os honorários devidos ao defensor dativo nomeado para atuar em processos criminais.
O colegiado fixou quatro teses a respeito da controvérsia, cadastrada como Tema 984:
1 – As tabelas de honorários elaboradas unilateralmente pelos conselhos seccionais da OAB não vinculam o magistrado no momento de arbitrar o valor da remuneração a que faz jus o defensor dativo que atua no processo penal; servem como referência para o estabelecimento de valor que seja justo e que reflita o labor despendido pelo advogado;
2 – Nas hipóteses em que o juiz da causa considerar desproporcional a quantia indicada na tabela da OAB em relação aos esforços despendidos pelo defensor dativo para os atos processuais praticados, poderá, motivadamente, arbitrar outro valor;
3 – São, porém, vinculativas, quanto aos valores estabelecidos para os atos praticados por defensor dativo, as tabelas produzidas mediante acordo entre o poder público, a Defensoria Pública e a seccional da OAB.
4 – Dado o disposto no artigo 105, parágrafo único, II, da Constituição da República, possui caráter vinculante a Tabela de Honorários da Justiça Federal, assim como tabelas similares instituídas, eventualmente, pelos órgãos competentes das Justiças dos Estados e do Distrito Federal, na forma dos artigos 96, I, e 125, parágrafo 1º, parte final, da Constituição da República.
O ministro relator dos repetitivos, Rogerio Schietti Cruz, explicou que a indicação de advogado dativo, conforme o artigo 22, parágrafo 1°, do Estatuto da Advocacia, resulta em arbitramento de honorários àquele profissional, os quais devem ser suportados pelo Estado, seja por contrato ou por fixação judicial.
Segundo o ministro, a condição sui generis da relação estabelecida entre o advogado e o Estado – não só por se tratar de particular em colaboração com o poder público, mas também por decorrer de determinação judicial – implica a existência, ainda que transitória, de vínculo que o condiciona à prestação de uma atividade em benefício do interesse público.
“A utilização da expressão ‘segundo tabela organizada’, prevista no primeiro parágrafo, deve ser entendida como referencial, na medida em que não se pode impor à administração o pagamento de remuneração com base em tabela produzida unilateralmente por entidade representativa de classe de natureza privada, como contraprestação de serviços oferecidos, fora das hipóteses legais de contratação pública”, declarou o ministro.
Para ele, a expressão “não podendo ser inferiores”, contida no parágrafo segundo, tem o objetivo de resguardar a pretensão do advogado particular que não ajustou o valor devido pela prestação dos seus serviços.
“Tudo isso a reforçar a percepção – a meu sentir, bem clara – de que, sob qualquer formato (convencional, por arbitramento, por sucumbência), os honorários não podem se distanciar de critérios de razoabilidade e – mais ainda quando envolvem dinheiro público – critérios de economicidade”, afirmou. Dessa forma, o relator concluiu que a tabela da OAB deve servir como referencial para o magistrado extrair o valor a ser estipulado como honorários do profissional que colabora com a Justiça criminal.
Com base no princípio da presunção de inocência, a Segunda Turma manteve decisão que obrigou a OAB de São Paulo a aceitar a inscrição definitiva de um bacharel em direito acusado de homicídio qualificado.
O relator do recurso especial (REsp 1.482.054), ministro Humberto Martins, afirmou que, por não pesar contra o bacharel sentença penal condenatória transitada em julgado, mas apenas uma ação penal de competência do júri na fase de instrução, não seria possível afirmar sua culpa.
O ministro destacou que o Estatuto da Advocacia confere à OAB o poder-dever de avaliar a idoneidade daqueles que pretendem se inscrever definitivamente em seu quadro profissional (artigo 8º, inciso VI, parágrafo 4º, da Lei 8.906/1994).
“Tal legitimação conferida à OAB é de suma importância para a preservação da essencialidade da advocacia na administração da justiça e para a sociedade como um todo”, destacou.
O ministro Humberto Martins ressaltou que, a despeito da gravidade das condutas imputadas ao bacharel, não se pode atestar, a partir delas, sua idoneidade ou predizer sua culpa sem que transite em julgado sentença penal que o condene e sem que se tenham esgotado os recursos cabíveis.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1423825REsp 614678REsp 1783533REsp 1423825REsp 1351760REsp 1381656AREsp 568585RMS 63393HC 565280REsp 1656322REsp 1482054REsp 1131805
Fonte: STJ
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