Privilégio injusto
O ministro do STF, Celso de Mello, concedeu recentemente entrevista em que manifestou seu desacordo com as regras constitucionais que asseguram foro privilegiado às autoridades acusadas de crimes, sendo que no rol dos beneficiados figuram desde presidente da República até promotores de Justiça.
Com sua reconhecida experiência de ministro da Suprema Corte do país, Celso de Mello identificou os motivos que o levaram a sustentar a conveniência de reforma na Lei Maior, abolindo o tratamento desigual, afrontoso ao princípio isonômico, segundo o qual “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza…” (artigo 5º).
Os que defendem a manutenção da exceção são, também, por motivos óbvios, contrários ao julgamento dentro de um prazo razoável, preferindo que tudo continue como vem ocorrendo até agora.
O foro excepcional conferiu mais poderes àqueles que já o têm em excesso, concorrendo assim para que escapem das penas a que estejam sujeitos, por maior que seja a gravidade do delito cometido.
A justificativa comumente dada pelos que sustentam a conveniência do privilégio consiste na mera alegação de que, em razão do nosso sistema penitenciário caótico, seria inconcebível admitir que um político ou magistrado pudesse ser deixado em prisões desumanas, o que concorreria para a sua morte prematura.
Trata-se de um argumento falaz. Desde que o apenado fosse mantido em cárcere decente, separado de outros meliantes, respondendo por uma pena restritiva de direitos, podendo ainda ser submetido a um regime mais brando, sem que houvesse a discriminação existente na atualidade.
No questionado episódio do chamado “mensalão”, o relator, ministro Joaquim Barbosa, admitiu que o STF não dispõe de recursos que lhe permitam instruir e julgar os processos instaurados, coletando documentos e provas, inclusive ouvindo testemunhas, desempenhando atividade que são próprias dos juízes de primeira instância.
Segundo Celso de Mello, somente ele e o ministro Marco Aurélio se dispõem a exercer essa tarefa, sem delegá-la a juízes de hierarquia inferior.
Embora a extinção do foro privilegiado conte hoje com o apoio de entidades de prestígio como a OAB, AMB, AJUF e a AMATRA, a concretização dessa medida seria difícil devido à resistência do Congresso, que não estaria propenso a abrir mão de suas prerrogativas.
Basta lembrar que, nos últimos dezenove anos, o STF instaurou 130 processos criminais contra autoridades detentoras de foro privilegiado, sendo que em nenhum desses feitos houve condenação.
Convenhamos que seria uma ingenuidade, como salientou o jurista Calheiros Bonfim, “esperar que parlamentares, magistrados e outras autoridades, em sua maioria, abrissem mão de tamanha salvaguarda, colocando o interesse público acima de seus privilégios”.
Daí parecer mais razoável e factível a criação de Varas e Tribunais especializados em crime de corrupção. O Tribunal de Justiça paulista, a exemplo do seu congênere gaúcho, criou uma Câmara para julgamento de crimes atribuídos a prefeitos.
Independentemente de qualquer solução material, a única maneira eficaz de combater os crimes contra a Administração Pública, conforme também sublinhou Calheiros Bonfim “é incutir nos criminosos a certeza de que serão investigados, julgados e punidos com rapidez e convencê-los de que os bens e valores que desviaram serão devolvidos ao Poder Público com a mesma velocidade do julgamento criminal”.
A propósito, vale assinalar que o Senado já aprovou projeto de lei (PSL 268/07), determinando que seja dada prioridade ao andamento de processos que envolvem crimes de responsabilidade contra a Administração Pública.
ARISTOTELES Dutra de Araújo ATHENIENSE
Advogado. Conselheiro Nato da OAB
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