A proposta indevida
Por Aristoteles Atheniense
A Constituição de 1988 definiu o Ministério Público como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
A acusação oferecida pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o ex-governador Eduardo Azeredo (PSDB), fixando, de antemão, a pena de 22 anos de detenção a que estaria sujeito, arrebatou do Judiciário o exercício de uma atividade que lhe é inerente: a dose da pena a ser imposta ao suposto infrator.
É o juiz que, atendendo a culpabilidade, antecedentes, consulta social, personalidade do agente, motivos e consequências do crime, estabelecerá, com exclusividade, a pena necessária e suficiente para a reprovação da ação delituosa.
Ninguém pode ser condenado previamente, sem uma sentença judicial. Se o Estado, através do Ministério Público, ingressa em juízo para obter o julgamento da pretensão punitiva, não significa que haverá necessariamente uma condenação.
Quanto à pena, poderá ser agravada ou atenuada atendendo ao que prescreve a lei (arts. 61 e 65 do C. Penal).
A denúncia é ato mediante o qual o representante do Ministério Público formula acusação perante o juiz competente, a fim de que se inicie a ação penal contra aquele a quem se imputa a autoria de um crime ou contravenção.
O integrante do órgão ministerial só está vinculado ao imperativo da lei e de sua consciência, esteios que dão sustentação à independência funcional, não podendo receber ordens ou recomendações de caráter normativo, quando de sua manifestação, para agir deste ou daquele modo.
Acertadamente os franceses qualificaram o Ministério Público como “magistrature débout”, isto é, juiz de pé em cumprimento do dever, para servir à justiça e buscá-la, por maiores que sejam os riscos e obstáculos encontrados.
O processo instaurado contra o atual deputado Eduardo Azeredo está agora sujeito somente ao crivo do Supremo Tribunal Federal. Resultou do fato de que o ex-governador autorizara o desvio de R$3,5 milhões (cerca de r$9,3 milhões em valores atualizados) do banco estatal Bemge e de duas empresas púbicas, para financiar sua campanha à reeleição em 1998.
Constitui uma temeridade afirmar que o comportamento do denunciado é análogo ao do ex-ministro José Dirceu, que a Suprema Corte reconheceu e puniu como sendo o mentor do mensalão petista.
A lei penal não admite analogia no sentido de criar delitos, pois, todo crime deve ser qualificado em lei e toda pena deve ser nela estabelecida.
A justificativa dada por Azeredo de que não determinou os repasses feitos à sua campanha eleitoral, será alvo de avaliação pelos ministros do STF. Somente a estes compete examinar a capitulação, a classificação do crime na Lei Penal, mediante o exame das provas existentes nos autos.
O processo já tem relator designado, que é o ministro Luís Roberto Barroso, sendo revisor o ministro Celso de Mello. Nenhum deles renunciou à importante tarefa que irão desempenhar, não delegando antecipadamente ao chefe do Ministério Público Federal a incumbência de fixar a pena a ser adotada pela Corte Suprema.