Só o Brasil tem uma lei federal que autoriza o fim do papel na Justiça
O Brasil é o primeiro país do mundo a ter uma lei federal (11.419) que autoriza a tramitação de todo o processo sem o uso de papel. Talvez isso se explique, segundo o advogado Alexandre Atheniense, porque “somos ousados em uso eletrônico, pagamos impostos pela internet e agora teremos o processo eletrônico”. O especialista em Direito de Tecnologia da Informação ainda comenta que em Portugal, por exemplo, só existe a tramitação dos autos, na Espanha, apenas processos relacionados ao Fisco são digitais, e nos EUA, a digitalização só existe na Justiça Federal. No Brasil, “não tem comparação, nós temos um modelo de desmaterialização que não encontra precedentes em outro lugar do mundo”.
Esse papel visionário encontra no aspecto cultural seu maior desafio, ao ver de Atheniense. Isso porque a digitalização dos autos modifica uma série de fatores, inclusive o próprio modelo de funcionamento, que antes estava atrelado ao papel e aos ritos presenciais. Para ele, essa mudança demanda um treinamento muito grande por parte dos profissionais envolvidos. “Impõe ritmo mais rápido, pois há a desformalização de diversos ritos, como a autuação, por exemplo, que vai desaparecer”, afirma. O especialista reitera que não adianta chegar mais rápido na mesa do juiz e não ter equipe para ajudar na decisão.
O advogado também chamou atenção para a necessidade de se pensar no remanejamento dos servidores que terão suas atividades inutilizadas depois que o processo digital estiver inteiramente implantado. Para Atheniense, as atividades terão que ser repensadas, questão que já foi presenciada em alguns tribunais, por ser condição inerente a desmaterialização do papel.
Outra consequência que a introdução desse sistema fatalmente trará, será a mudança na linguagem da Justiça, o que já vem acontecendo. Um desapegar natural da língua essencialmente escrita, afirma o entrevistado, que se diz cada dia menos atrelado ao papel e mais ligado a passar informações de maneira digital. Para ele, o mesmo acontecerá com o Direito. Atheniense comenta que essa revolução tecnológica irá, inclusive, se refletir na própria maneira do processo se instrumentalizar. “Os advogados vão ter que se aperfeiçoar no poder de sintetizar suas ideias, alegações e defesas, a geração do copiar/colar torna as peças muito grandes e dificulta o trabalho do juiz”.
Hoje, alguns tribunais não têm nem 1% do acervo digitalizado, enquanto outros têm todos os processos tramitando de forma eletrônica. Como a lei não fixou prazo para que essa mudança acontecesse, e obviamente existem vontades políticas maiores ou menores em cada região, sem falar na questão do impacto cultural, tudo indica que vamos ter que conviver com essa realidade por algum tempo, adverte o especialista, que em uma semana palestrou no Tribunal Superior do Trabalho, na abertura do Curso de Formação Continuada de Teoria Geral do Processo Eletrônico, e também no Ciberjur, o Congresso Nacional de Direito e Tecnologia, promovido pela OAB-SP.
Outro descompasso seria que cada tribunal resolveu regulamentar uma determinada prática processual a seu modo, e os requisitos para transmitir uma peça são diferentes conforme cada região, pois dispositivo da lei permite essa flexibilidade. Há também a questão da autonomia orçamentária e os tribunais gastam com sistemas diferentes. No entanto, Atheniense afirma que a expectativa é que isso possa ser minimizado com o processo eletrônico.
Ainda quanto às barreiras tecnológicas, muitas ainda não estão em conformidade com padrões com pessoas com deficiência visual, o que dificulta a acessibilidade, bem como o padrão de dados abertos W3C, que permite acessibilidade através de tablets e Iphones.