Um presidente à altura de sua missão
O novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Carlos Ayres Britto, em seu discurso de posse, foi incisivo na advertência de que “mais que impor respeito, o Judiciário tem que se impor ao respeito”.
A seu sentir, como “quem tem o rei na barriga um dia morre de parto”, os nossos juízes “não estão imunizados quanto a essa providencial regra de vida em sociedade”.
Na sequência de suas colocações humanísticas, inobstante as recentes divergências havidas entre ministros da Corte que passou a dirigir, o ministro Carlos Britto foi taxativo ao afirmar: “O juiz não é traça de processo, não é ícaro de gabinete e, por isso, sem fugir das provas dos autos, nem refém da opinião pública, tem que levar os pertinentes dispositivos jurídicos ao cumprimento de sua mediata macro função de conciliar o direito com a vida”.
Embora a sua permanência à frente da mais Alta Corte seja breve, pois deverá aposentar-se em setembro, por implemento da idade, o ex-advogado e antigo Conselheiro Federal da OAB não perdeu a oportunidade de sugerir aos demais Poderes uma atuação conjunta: “Proponho aos Três Poderes da República a celebração de um pacto. O que me parece mais simples e, ao mesmo tempo necessário, que é um pacto do mais decidido, reverente e grato cumprimento da Constituição”.
Não menos significativa foi a sua disposição em resguardar a moralização na politica, exaltando o papel do Judiciário no cumprimento desta tarefa. Ressaltou, ainda, a importância da Lei da Ficha Limpa e a necessidade da administração pública transparente.
Ainda, neste diapasão, acrescentou que a consciência do juiz é fruto do “casamento entre o pensamento e o sentimento (…) corresponde àquilo que a literatura mística chama de ‘terceiro olho’”. Trata-se, pois, do “único olho que não é visto, mas que, justamente, pode ver tudo”.
Assim se manifestando, o Presidente revelou sua fidelidade ao art. 5º da lei de Introdução do Código Civil, que, desde 1942, estabelece: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum”.
De perfil liberal, sempre disposto a apaziguar as dissensões internas, Carlos Britto também já relatou, com absoluta independência e firmeza, recursos controvertidos, tais como o que autorizou pesquisas com células embrionárias, a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sul e a união civil entre pessoas do mesmo sexo.
No momento – segundo declarou à imprensa –, a sua prioridade está focada no julgamento do mensalão pela Suprema Corte, o que deverá ocorrer tão logo seja concluída a revisão dos autos pelo ministro Ricardo Lewandowski.
Além desse controvertido processo, que terá induvidosas repercussões politicas, competirá ao Supremo, ainda, enfrentar, nos próximos meses, questões de relevante valor social, como a retomada da discussão das quilombadas, as cotas raciais, o poder de investigação do Ministério Público e a constitucionalidade dos planos econômicos do final dos anos 1980 e começo de 1990.
Certo, porém, que, sendo o ministro Ayres Britto dotado de sólida cultura na área do Direito Constitucional e de sensibilidade, reafirmada em sua fala inaugural, estará apto a levar a bom termo a missão em que foi investido.