O software livre poderá uniformizar o processo eletrônico em 2012
No final de 2011, tivemos um momento significante na Justiça brasileira, que poderá vir a se tornar um divisor de águas quanto a tentativa de padronizar um sistema de tramitação de autos digitais para o Poder Judiciário.
Em 5/12, a vara do Trabalho em Navegantes, Santa Catarina, foi a primeira no país a iniciar o uso do sistema PJ-e, que surge como a alternativa para uniformizar as práticas processuais por meio eletrônico na Justiça Brasileira a partir de 2012.
Porém poucos conhecem da trajetória do PJ-e. Esta história começa em 2007, quando o TRF5 propôs à Infox – Tecnologia da Informação Ltda., a evolução do sistema CRETA, também por estes desenvolvido, de forma que pudessem ser atendidas todas as varas daquele Tribunal. O CRETA só atende a necessidade dos Juizados Especiais Federais.
A partir desta primeira experiência, a Infox, propôs que fosse elaborado um novo sistema em linguagem mais atualizada, usando uma arquitetura mais escalável e que permitisse maior flexibilidade na configuração e adequação às constantes mudanças na Lei, demandas de Tribunais Superiores ou mesmo de necessidade do próprio jurisdicionado.
Anos depois, o Conselho da Justiça Federal (CJF), decidiu criar um sistema único para toda a Justiça Federal e com isso começou o projeto denominado e-JUD. Este projeto não foi adiante e, com isto, foi retomando o projeto PJe.
No entanto, a experiência do e-JUD foi importante pois pela primeira vez, todas as 5 Regiões dos TRF’s se reuniram, definindo requisitos para aquele que seria o sistema ideal e que atenderia a todos. Esta documentação foi preservada e usada como base para o desenvolvimento do PJe, tendo sido colocado como objetivo do projeto tentar atender ao máximo os requisitos funcionais e não funcionais
Retomado o desenvolvimento do PJe, sensivelmente dois anos depois de ter sido interrompido, a Infox mostrou ao TRF5 que tinha, como investimento próprio, continuado o desenvolvimento do sistema, tendo já evoluído para que este tivesse um motor de fluxos interno, controle de acesso, diversos componentes de alto nível e infra-estrutura atualizada tecnologicamente.
Recomeçou então o desenvolvimento do PJe por parte da Infox para o TRF5, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) visitou vários Tribunais, entre eles o TRF5, com o intuito de identificar um sistema capaz de ser sugerido para todos como o sistema nacional da justiça. O PJe, entre muitos outros, foi analisado e foi ele o escolhido pelo CNJ como a solução mais apropriada para uniformizar o processo eletrônico.
A partir daí, o desenvolvimento do Pj-e, passou a contar como o apoio do CNJ. Outros Tribunais mostraram interesse em conhecer o sistema e decidiram por aderir ao grupo daqueles que gostariam de o utilizar: inicialmente todas as Regiões Federais, todos os tribunais
Para isto, foi especificada aquela que seria a plataforma ideal: o sistema deveria ser propriedade da União Federal, criando independência de empresas privadas quanto à propriedade material e intelectual; deveria ser utilizado padrões de mercado, de preferência abertos (open source); dentro do possível, utilizar-se, dentro dos seus módulos, de uma mesma tecnologia que deveria ser “livre” (no sentido que cada Tribunal possa ajustar e customizar conforme necessário; permitir o desenvolvimento colaborativo,para que todas os Tribunais aderentes à solução pudessem desenvolver módulos ou pedaços do sistema, contribuindo assim para o todo; adoção de uma arquitetura altamente escalável; e ao mesmo tempo fosse configurável o suficiente que permitisse adequar-se ás particularidades de cada região do país e ramo de justiça.
O objetivo principal do sistema PJ-e é informatizar processos e metodologias de trabalho e não somente o processo judicial em si, devendo ser possível estabelecer estes padrões mediante o uso de Tabelas Únicas (definidas pelo Conselho Nacional de Justiça), fluxos padrão dentro de cada tribunal, e criando camada de interoperabilidade que permitisse interconectar as justiças, bem como estas como os atores processuais que a buscam, tais como advogados, procuradorias, Ministério Público, Defensorias, empresas e o próprio jurisdicionado.
O que leva a crer que o PJ-e possa vir a se tornar de fato um sistema que ajude a padronizar as práticas processuais está diretamente relacionado ao regime de licenciamento em Software Livre, conforme preceituado pela Lei 11.419 que no artigo 14, quando o legislador determinou que os tribunais deverão usar, preferencialmente, programas com código aberto, acessíveis ininterruptamente por meio da rede mundial de computadores, priorizando-se a sua padronização.
Este licenciamento e modelo de negócio adotado pela Infox, permitiu a cessão do código fonte pela empresa ao CNJ, que por sua vez, cedeu os direitos atribuídos, aos tribunais licenciados para copiar, modificar e distribuí-lo, criando uma atividade comunitária de desenvolvimento de conteúdos informáticos.
Por outro lado, as empresas que atuam no mercado licenciando para os tribunais sistemas adotando o regime de modelo proprietário, limitam a forma de utilização do programa, além de tornar esta opção muito mais onerosa.
A opção da Administração Pública pelo modelo de aquisição e transferência de direitos denominado “livre” significa o exercício não exclusivo, mas comunitário e recíproco de direitos autorais, o que facilitará a disseminação padronizada do uso de um sistema de processo eletrônico entre os Tribunais Brasileiros.
Dentre as possibilidades que levam a acreditar na possibilidade de êxito do Pj-e estão presentes os princípios que norteiam o software livre, ou seja:
1. O direito de uso sobre o programa de computador é comum, ou seja, as vantagens de uso do regime adotado, não se opõem a terceiros mas são compartilhadas com terceiros;
2. O titular de direito de uso sobre o programa determina qual deverá ser o regime de uso sobre o software e suas derivações, em outras palavras, se a Infox determinou que a cessão do código fonte ao CNJ não seria onerosa, os tribunais que foram beneficiados, não poderão tornar modificar o regime de licenciamento.
3. A disposição de direitos patrimoniais sobre o software em regime livre não implica renúncia a direito subjetivo de autor, na medida em que o software continua sob o âmbito de atuação do autor;
4. Como os atributos “livre” e “proprietário” não se referem a características do produto “software”, mas a regimes jurídico de uso que atendem a finalidades distintas e não equivalentes, a licitação que se defina pela aquisição em regime livre não fere o princípio da isonomia e tem a ver antes com o princípio da eficiência: trata-se da definição do próprio objeto ou da finalidade perseguida pela licitação;
No próximo dia 19/12, completará quatro anos da sanção da lei do processo eletrônico. Ao longo deste período é inegável admitir os benefícios já alcançados, mas temos convivido com diversos problemas.
Me refiro a falta de padronização; tanto de procedimentos, quanto de serviços disponibilizados pelos sistemas; pouca ou nenhuma interoperabilidade das aplicações; custos altos devido à mescla de tecnologias dentro do judiciário, o que obriga aos tribunais a manter largas equipes de manutenção, demandando especialistas de diversas linguagens de programação, bancos de dados. Além de falta de padronização das normas de organização judiciária e de rotinas sistêmicas que guiam de forma diversa, práticas simples como transmissão de peças eletrônicas, o que acarretam grande dificuldade de aprendizado para aqueles que já possuem natural dificuldade em lidar com tecnologia.
Até o momento, os Tribunais que já tem o PJ-e implantado são:
TRF3 (JFSP), TRF5 (2o grau e JFSE, JFAL, JFPE, JFPB, JFRN, JFCE), TJPE, TJPB, TJMT, TRT12
Os Tribunais que estão em via de implantação do PJ-e já confirmados são: Todos os demais TRTs e TST, TRF3 (JFMS), TJMG, TJSE e TJDFT
Os tribunais que estão em processo de análise do sistema são:
20 Tribunais de Justiça Estadual, 5 Tribunais Regionais Federais e 2 Tribunais Militares
Como se vê, mais da metade dos Tribunais Brasileiros já estão fazendo uso do PJ-e. Até então, eu sempre mantive uma postura cética quanto a adoção de um sistema único de processo eletrônico na Justiça Brasileira.
No meu entender, o máximo que poderia ser alcançado, seria a interoperabilidade de dados, ou seja, a troca de informações digitais entre os tribunais, evitando-se o retrabalho.
Cumpre salientar ainda que, considerando que o sistema de licenciamento do código fonte do PJe tenha sido adotado pelo regime de software livre, espera-se que o CNJ possa ceder o código fonte para empresas que possam aprimorá-lo e desenvolver outros aplicativos derivados para gerar mais funcionalidades quanto ao gerenciamento dos autos digitais, permanecendo as cláusulas que possibilitam o compartilhamento do conhecimento.
Por estes motivos que ouso pensar diferente, tendo adquirido confiança que o PJ-e, possa vir a ser o sistema construído com o objetivo de ser de fato um instrumento que permita atingir o fim máximo da Justiça perante a sociedade, ou seja: a solução célere. Pois como já dizia Ruy Barbosa na sua obra clássica Oração aos moços: “Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade.”
ALEXANDRE Rodrigues ATHENIENSE
Advogado especialista em Direito de Tecnologia da Informação
alexandre@atheniense.com.br | @atheniense
www.alexandreatheniense.com | www.dnt.adv.br