Entrevista de Aristoteles Atheniense ao blog do Des. Manuel Saramago
Entrevista concedida por Aristoteles Atheniense ao desembargador Manuel Saramago (TJMG) no “Blog do Saramago“
1 – Algum professor do curso de bacharelado o teria influenciado no exercício da advocacia ?
R: O prof.de Direito Civil e advogado José do Valle Ferreira, paraninfo da minha turma (“Clovis Bevilacqua”) em 1959 na UFMG.
2 – Exerceu, na primeira instância, a advocacia, nos tempos da ditadura – 1964/1985 – . O comportamento funcional dos julgadores monocráticos da época, exceto no que respeita à aplicação da legislação de exceção, então em vigor, recebia influência do regime político excepcional?
R: Ao contrário, sempre houve louvável resistência ao regime militar, com prejuízo pessoal e risco profissional daqueles que assim procediam.
3 – O eminente professor, jurista e advogado já exemplificou como juiz paradigma o Desembargador Edésio Fernandes. Quais os atributos marcantes do saudoso e extraordinário magistrado?
R: Edésio Fernandes tratava com educação e respeito juízes de 1º grau, promotores, advogados e partes. Jamais pretendeu impor sua autoridade, constituindo um exemplo para a sua geração e um marco de referencia àquelas que o sucederam. Faleceu aos 67 (14/12/1980) anos, como Desembargador, quando ainda tinha muito a ensinar e fazer pela magistratura de Minas Gerais.
4 – Em algum momento da vida, pensou ser magistrado pelo quinto constitucional?
R: Embora sendo filho de juiz e conhecendo de perto as agruras desse encargo, jamais pensei ser magistrado. Surgiram-me inúmeras oportunidades de candidatar-me a juiz e Desembargador dos Tribunais de Alçada e Justiça. Fui estimulado por diversos Desembargadores e Ministros a ingressar na magistratura, como fizeram vários colegas meus. Fui duas vezes presidente da OAB/MG. Tendo exercido, inclusive, a presidência nacional da OAB, como seu vice-presidente. Acredito que este estímulo deve-se em parte ao fato de haver me dedicado à advocacia de segunda instancia de 1964 até hoje: 47 anos, quase meio século, onde me tornei conhecido.
5 – Como juiz, na primeira e segunda instâncias, nunca fui procurado pessoalmente por V. Exa., embora tenha recebido inúmeros memoriais da sua lavra, todos devidamente protocolados, sempre com apuro técnico e em apertada síntese, atributos que o caracterizam. Em razão do comportamento profissional notado pelo entrevistador, pergunta-se: é contrário à visita do advogado ao juiz em razão de determinada causa?
R: Admito que o advogado possa entrevistar-se com o juiz. Aquele que se recusa sistematicamente a recebê-lo revela fragilidade no exercício da magistratura. Mas este encontro só deverá ocorrer em caráter excepcional, havendo necessidade de explicações pessoais sobre pontos controvertidos da causa. Jamais insinuando obter uma promessa ou antecipação favorável no deslinde da controvérsia. O advogado que assim procede deverá ser repelido de imediato pelo julgador.
6 – Os bons advogados, e o senhor se encontra neste rol, ao se manifestarem da tribuna, passam ao julgador confiabilidade sobre o posicionamento que estão defendendo. Tal comportamento é inato, ou se adquire pela experiência e ou é algo rigorosamente estudado?
R: A confiança decorre da seriedade do comportamento do advogado no exercício profissional. A experiência é fator importante no aprimoramento desta conduta. A formação ética depende em grande parte do ambiente em que o advogado cumpre a sua atuação, a partir do estágio.
7 – Caso o eminente causídico tivesse um velho amigo e cliente e o filho deste, infelizmente, se envolvesse num evento criminoso, cuja competência para o julgamento seria do Tribunal de Júri, qual dos quatro Promotores não gostaria de enfrentar no julgamento – Alberto Pontes, Cupertino Gonçalves, Sizenando de Barros e ou Agostinho Marciano de Oliveira Júnior?
R: Cupertino Gonçalves ou Sizenando de Barros. Fui amigo e admirador dos promotores apontados na questão. Dignificaram o Ministério Público e deles trago perene saudade.
8 – Admitamos que o ilustre entrevistado fosse proprietário, em condomínio, de extensa fazenda de café, no município de Machado-MG. Em determinada época, o imóvel fora invadido por vizinhos, restando caracterizados o esbulho e a destruição de marcos e, em conseqüência, a imprecisão das divisas. Em razão de tais fatos, resolveu litigar com os invasores, propondo a medida judicial pertinente, e, ainda, pretendeu a extinção do condomínio. Como não se deve advogar em causa própria, qual advogado escolheria para o patrocínio da demanda, entre os arrolados abaixo?
a) José Olympio de Castro Filho;
b) João Milton Henriques;
c) Darcy Bessone;
d) Severo José Lopes da Silva;
e) Jadir de Brito e ou
f) Túlio Marques Lopes.
R: – Pela natureza da causa sugerida: Jadir de Brito de reconhecido talento dotado de inteligência invejável, servindo de exemplo tanto em primeira como em segunda instâncias.
9 – Qual o posicionamento de V. Exa. a respeito do recentíssimo julgamento do STF que, em caráter vinculativo, estendeu os efeitos jurídicos da união estável dos casais heterossexuais aos casais homossexuais? Não estaria o referido egrégio sodalício adentrando matéria genuinamente legislativa?
R: A solução oferecida pelo STF não coincide com o juízo que formei sobre o problema. Admito que deva ser proporcionada livre de preconceitos. Toda decisão do STF sempre inspira uma providência legislativa ainda que não deva se tornar, obrigatoriamente, um padrão às normas a serem editadas pelo Legislativo.
10 – Gostaria da opinião do mestre sobre o país que se encontra entre as 10 (dez) maiores economias do mundo mas com sérias deficiências na saúde pública, ensino básico, segurança pública, transporte e previdência.
R: Jamais me impressionei com o fato do Brasil figurar entre as maiores economias do mundo. Considero mais importante saber quando serão atendidas as nossas deficiências, nas áreas da saúde, educação e segurança pública. A propósito envio-lhe dados recentes sobre as maiores economias mundiais colhidos no jornal “El Pais” de Madrid, cidade onde estive na última Semana Santa, no exercício profissional.
11 – As deficiências de o serviço jurisdicional se igualam às demais mencionadas no ítem precedente?
R: As deficiências do judiciário não decorrem, somente, do insuficiente número de juízes nem da falta de recursos. Acredito que provenha, sim, do descompasso entre a sua atuação com a realidade sobre que atua. A qualidade dos juízes nos últimos anos tem melhorado ainda que nem todo magistrado esteja vocacionado a exercer a magistratura. A experiência já demonstrou que o bom juiz não é somente o que conhece a lei mas aquele que saiba como aplicá-la ao caso concreto.
12 – Qual conselho daria ao jovem profissional da advocacia do que entende ser fundamental para o exercício da profissão, além da confiabilidade que o Sr. passa ao julgador.
R: Nunca considerar-se realizado. Inspirar-se na máxima de Diderot “fazer bem, tudo o que deve ser feito”. Não há causas grandes ou pequenas; nem clientes ricos ou pobres. Todos merecem o mesmo empenho, ressalvadas as peculiaridades de cada caso.
13 – O que diz o causídico da sua atividade de lazer preferida?
R: Se tiver de escolher a minha preferência consistiria em advogar contra os poderosos e, especialmente, contra o Poder Público. Mormente quando este abusa de recursos que a lei coloca ao seu alcance. Nisto está compreendido o uso desmensurado de recursos, pelo Estado, atravancando e retardando a prestação jurisdicional, com a complacência de alguns julgadores.
Conclusão: As indagações que me foram dirigidas satisfazem plenamente eventual pesquisa sobre a advocacia exemplar e um Poder Judiciário que esteja em condições de atender as necessidades dos jurisdicionados.