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Tudo ficará como antes

A República ainda conserva o mau vezo de acobertar privilégios que grassam em todos os seus Poderes.

Privilégio equivale a concessão, distinção, condão e, na maioria dos casos, em imunidade às prescrições legais. A história registra que os privilégios geram abusos abomináveis e detestáveis, sendo que algumas revoluções foram deflagradas para aboli-los.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal estabeleceu que, doravante, não caberá àquela Corte julgar ex-parlamentares por improbidade administrativa. Os infratores responderão por seus atos perante a justiça de primeira instância.

A resolução restou incompleta: não definiu qual seria o foro competente para julgar as ações intentadas contra ministros de Estado que cometeram falcatruas resultantes de ação ou omissão conscientes.

O entendimento adotado no mês passado decorreu de mera questão de ordem arguida pela defesa do ex-deputado Carlos Alberto Camurça.

Os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, atendendo às exigências da Lei de Acesso à Informação, anunciaram que irão divulgar os salários dos servidores daquelas Casas. Idêntica medida partiu do presidente Carlos Ayres Britto, no Supremo Tribunal Federal, alcançando somente aquela Corte e não todo Judiciário.

Inobstante a promessa feita na Câmara e no Senado, não se pode prever quando será convertida em realidade, pois a sua regulamentação, através de Portaria, está a cargo do Ministério do Planejamento. Dependerá, ainda, do Executivo chancelar essa providência.

Segundo o presidente Marco Maia (PT-RS), os salários pagos pela Câmara dos Deputados são normais num país que está em desenvolvimento nos últimos anos e a sua difusão não poderá provocar eventuais sequestros.

Quanto a essa possibilidade, não se tem notícia de qualquer pronunciamento do presidente José Sarney (PMDB-AP) em relação ao que é pago pelo Senado Federal, certamente em razão do que percebem os seus apaniguados na Câmara Alta.

O decreto da presidente Dilma Rousseff, determinando que os ministérios e órgãos do Executivo federal divulguem quanto ganha cada servidor, incluindo auxílios, ajuda de custo e vantagens, sofreu restrições do presidente do Sindicato dos Servidores do Legislativo (Sindilegis). No seu sentir, divulgar o nome do servidor com a respectiva remuneração pode expor toda a sua família a um risco desnecessário. “Os sequestros relâmpagos acontecem a toda hora; o crime cresceu 53% no primeiro semestre de 2012, ocorrendo dois a cada dia em Brasília”.

Segundo esta concepção, o perigo de um assalto somente ocorreria em Brasília e dele seriam vítimas somente os servidores do Congresso e de outros Poderes da República. Daí a necessidade de merecerem um tratamento excepcional, evitando que os seus ganhos sejam conhecidos, tornando, enfim, letra morta a Lei de Acesso à Informação.

Conforme advertiu o jurista André Oliveira Costa, “não pode haver vida republicana na integridade da expressão latina res (coisa) publica (do povo), sem a transparência das contas e dos atos das administrações públicas. Diante disso, podemos dizer que se não houver instrumentos que permitam ao cidadão a fiscalização das ações de seus governos ficaria notoriamente comprometida a vitalidade do denominado Estado Democrático de Direito”.

Ora, a resistência a Lei de Acesso à Informação faz lembrar o comunicado passado pelo general Junot a Napoleão quando constatou a fuga de Dom João VI com toda a Corte portuguesa para o Brasil: “Está tudo como dantes no quartel d’ Abrantes”.

Em outras palavras: nada mudará no país com a nova lei e a possibilidade de acesso à informação não passará de mera ficção.

ARISTOTELES Dutra de Araújo ATHENIENSE

Advogado. Conselheiro Nato da OAB

aristoteles@atheniense.com.br | @aatheniense | www.direitoepoder.com.br

 

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