Artigo publicado na coluna “Direito sem Papel” no portal Consultor Jurídico
Em 1999, ao final de uma palestra proferida na XVII Conferência Nacional dos Advogados no Rio de Janeiro cujo tema era a Advocacia na Era das Comunicações, fui surpreendido com uma pergunta da plateia: Você acredita que os autos processuais no futuro serão desmaterializados e toda a tramitação processual ocorrerá sem o uso do papel?
Mesmo sendo um entusiasta da produtividade propiciada pelas ferramentas tecnológicas nas atividades jurídicas, fui cauteloso ao responder que pelo fato da tradição de ritos do Direito Romano, atrelado a exigência de atos presenciais e lastreados ao papel, acreditava que seria possível usar recursos tecnológicos para vias alternativas de certos atos processuais, mas achava difícil desmaterializar toda a tramitação dos atos processuais.
Três anos depois, ao defender um cliente na Organização Mundial da Propriedade Intelectual em Genebra, numa controvérsia sobre nomes de domínios, fui surpreendido pelo fato que toda a tramitação daquele centro de mediação ocorria de forma eletrônica. É certo que não haveria outro meio de efetivar tal procedimento, considerando que, muitas vezes, as partes conflitantes poderiam estar domiciliadas em países diferentes e, com isto, as decisões seriam extremamente formais e demoradas. A adoção do meio eletrônico nestas demandas é de fundamental importância, não só pela efetividade do processo, mas pelo custo, e, sobretudo, a celeridade, já que as decisões não tardam por período superior a 45 dias.
Anos mais tarde, fui surpreendido novamente com a aprovação da Lei 11.419, que validou as práticas processuais por meio eletrônico e colocou o Brasil como pioneiro mundial na adoção de uma legislação que permite a tramitação integral dos autos judiciais sem papel.
Como se vê, é inegável que a tecnologia, expande os meios de comunicação e abre caminhos para informalizar a prática de atos processuais, em busca da celeridade e eficácia. Exemplo disso foi o fato que ganhou destaque na mídia nacional esta semana, com a iniciativa do advogado paranaense, Elias Mattar Assad, que usou o Facebook, para avisar ao delegado Rubens Recalcatti da Delegacia de Homocídios em Curitiba, sobre a apresentação de um indiciado.
A resposta do Delegado foi positiva, pois, ao tomar ciência dos fatos pela rede social, embora tenha ressalvado que aguardaria a ratificação do pedido pela via formal, considerou válida a iniciativa. Segundo, o delegado Racalcatti,“caso outros advogados adotem o mesmo procedimento, ele deve responder. Mas, sempre analisando as especificidades de cada situação.”
Da mesma forma, a medida não sofreu qualquer reprimenda por parte da OAB, que aplaudiu a utilização do atalho tecnológico pelo advogado para efetivar o contato com o delegado, considerando a medida como oportuna para dar maior celeridade a urgência que tal ato demandava.
Este exemplo de uso das redes sociais como via alternativa para as formalidades de atos processuais pode ser inédito no Brasil, mas no Reino Unido tal iniciativa já foi aprovada inclusive pela Suprema Corte. Em caso recente, foi autorizado que o Facebook fosse utilizado para intimar a comparecer ao tribunal, um acusado de participar de um esquema fraudulento em uma corretora de valores no país. É importante registrar que de acordo com o jornal Daily Mail, dados divulgados em março de 2011, metade da população do Reino Unido, ou seja, cerca de 30 milhões de pessoas possuem conta no Facebook.
Como os promotores tentaram várias vezes intimar o suspeito Fabio Di Biase, ex-corretor de valores, sem sucesso, foi solicitada à Suprema Corte uma permissão especial ao juiz do caso, Nigel Teare, para usar o Facebook como forma de comunicação processual.
Os promotores alegaram que aparentemente o perfil de Di Biase no Facebook está ativo, pois o suspeito tinha adicionado amigos recentemente. Diante disto, o juiz concordou com o pedido validando a intimação via rede social.
Entretanto, foi concedido ao intimado suspeito um tempo dilatado para responder à intimação e apresentar sua defesa no tribunal britânico, caso haja a possibilidade do intimado Di Biase não estar acessando ultimamente o perfil na rede social.
Este uso do Facebook abriu um precedente no Reino Unido, embora métodos não convencionais para intimar acusados sejam usados com frequência pela Justiça britânica quando há dificuldade de rastrear o paradeiro das pessoas envolvidas.
Esta não foi a primeira vez que a Suprema Corte do Reino Unido validou o uso das redes sociais para efetivar atos de comunicação de atos processuais.
Em outubro de 2010, a Corte britânica entregou uma injunção pelo Twitter ordenando que um anônimo parasse de imitar a blogueira e advogada dona do escritório Griffin Law, Donal Blaney, na Inglaterra. O réu havia criado uma conta no Twitter que usava uma foto de Blaney, publicava links para posts em seu blog e criava mensagens no mesmo estilo e tom de escrita. Segundo a injunção, o perfil foi “claramente criado para encorajar pessoas para pensar que era realmente” Blaney.
O ineditismo do caso se deve ao fato de que a injunção foi entregue ao réu anônimo por mensagem direta no Twitter e não está disponível para leitura pública.
A mensagem continha um link para o texto completo da injunção, que ordenava o usuário a revelar sua identidade e pare de imitar Blaney. O juiz responsável pela sentença conhecia não apenas o Twitter, mas também citou a referência de uma corte australiana que entregou uma ordem jurídica pelo Facebook, afirmou a blogueira.
Sabemos que os recursos tecnológicos aproximam as pessoas por meio dos seus perfis, estimulando acesso imediato e respostas mais rápidas que os meios tradicionais. Isso fortalece a tendência de informalizar certos atos de comunicação processual, e obriga a Justiça a repensar certos procedimentos advindos de séculos atrás onde a presença física e a celebração do ato intimatório eram requisitos indispensáveis.
Atualmente já não duvido tanto quanto no final do século passado que com menos tempo do que possa se imaginar, vários ritos inerentes ao processo de papel serão aperfeiçoados e simplificados em busca de uma maior efetividade pelo meio digital. Acho que é apenas uma questão de tempo e de amadurecimento cultural, pois a formalidade de certas comunicações dos atos processuais não deverá resistir a celeridade das respostas via redes sociais por muito tempo. Quem viver verá!
ALEXANDRE Rodrigues ATHENIENSE
Advogado especialista em Direito de Tecnologia da Informação
alexandre@atheniense.com.br | @atheniense
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